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Uso de equipamentos de proteção individual para área elétrica cresce no Brasil, mas País ainda precisa amadurecer nessa questão. Avanços dependem da conscientização de empresas e de usuários

Por Marcos Orsolon

Não há dúvidas que a eletricidade é essencial para a vida das pessoas no mundo moderno. No entanto, na mesma medida em que este insumo mudou a vida do ser humano, tornando-se fundamental no seu dia a dia, ele também é perigoso no trato e merece cuidados especiais, principalmente por parte de quem trabalha diretamente com energia elétrica.

O fato é que com eletricidade não há espaço para vacilo, sob o risco de contusões graves e até mesmo mortes. Por isso, a segurança deve vir sempre em primeiro lugar. Nas instalações, esta segurança é garantida quando se age corretamente  em todas as suas etapas de desenvolvimento, da elaboração de um projeto, até sua correta instalação de produtos de qualidade, manutenção e, claro, através da aplicação dos dispositivos de proteção, como disjuntores, DRs, DPS e para-raios. Para o trabalhador, além de adotar procedimentos e cuidados, a segurança vem na forma de chamados Equipamentos de Proteção Individual, ou EPIs.

OS EPIs são formados por uma gama variada, que incluem, calçados, luvas, óculos, capacetes, vestimentas e alguns tipos de protetores. E eles se configuram na última barreira de proteção  entre o trabalhador e um possível acidente. Por isso são necessários, inclusive por força de norma, em todas as situações em que o usuáro estiver exposto a risco.

Evidentemente, a melhor alternativa para evitar acidentes é sempre trabalhar para eliminar os perigos. Mas  como nem sempre isso é possível, são os equipamentos de proteção individual que podem garantir o bem estar  do trabalhador. Aqui vale uma ressalva. Os EPIs não eliminam os riscos de uma instalação elétrica, apenas atuam como barreira para atenuar os efeitos provocados por eventuais acidentes.

Importante observar que, quando direcionados para área elétrica, os EPIs possuem características específicas. Isso siginifica que não é qualquer peça que oferece proteção contra choques ou arco elétricos. Uma vestimenta para o setor químico, por exemplo, pode ter excelente qualidade, mas ela não tem as características necessárias para proteger os usuários contra riscos de eletricidade.

Dados levantados pela Animaseg indicam que o mercado nacional de EPIs em geral está em franco crescimento. Segundo a principal entidade do setor, há no Brasil mais de 700 fabricantes (a maioria de pequeno e médio porte) que, juntos, faturam mais de U$$1,54 bilhão em 2010.

Quanto ao perfil dos fornecedores há de tudo no mercado, desde empresas com um mix diversificado de produtos que atendem a vários setores, até aquelas que se especializam em itens ou áreas específicas, como a química ou a elétrica. Entre estas companhias há fabricantes, distribuidores e importadores, sendo que algumas atuam nas três vertentes.

Nos últimos anos, o setor tem registrado incremento sempre de dois dígitos, inclusive durante os períodos de crise. E há espaço para avançar, uma vez que ainda há um grande número de trabalhadores que não utilizam EPIs. Sem contar que o bom momento da economia brasileira também joga a favor. Se o país cresce, há geração de empregos, muitos dos quais exigem o uso de EPIs.

” O mercado brasileiro é muito grande. Temos no País em torno de 100 milhões de pessoas econonomicamente  ativas. Só que desse total, apenas cerca de 45 milhões de trabalhadores são registrados. Destes, avaliamos que de 15 a 20 milhões usam EPIs em geral, não só na parte elétrica. Dos outros 55 milhões, uns 10 milhões devem ser funcionários públicos e o resto não tem nada. E se não tem carteira assinada imagine se vai ter o EPI ”, comenta Raul Casanova, diretor-executivo da Animaseg, demonstrando que apesar do forte ritmo de evolução, ainda há espaço para o crescimento do setor.

Se compararmos com nossos vizinhos sul-americanos, o Brasil figura em boa posição no que tamge ao uso de EPIs. No entanto, estamos distantes  da realidade de países mais desenvolvidos. Pegando como exemplo os óculos de proteção, proporcionalmente  à quantidade de trabalhadores, até pouco tempo utilizávamos no País apenas 20% do que era utilizado na Europa. A mudança desse quadro depende de fatores como conscientização de empregados, maior fiscalização e evolução das normas.

” O mercado tem grande potencial de crescimento mas ainda estamos distantes do ideal ”, afirma Casanova, que observa ainda que um problema no País é que as empresas de micro e pequeno porte não são obrigadas a ter um profissional de segurança. Nesse caso, o responsável por fornecer EPI aos funcionários é o próprio dono, que geralmente não tem conhecimento suficiente de segurança do trabalho.

O fato é que o mercado de EPIs, no Brasil ainda não está maduro, mas sim em processo de amadurecimento. ” E conforme vai amadurecendo, as pessoas passam a exigir cada vez mais qualidade. Quando se tem mil acidentes e reduz para 500 talvez seja uma medida suficiente. De 500 para 250 talvez seja mais difícil. Estamos caminhando nessa direção. Passamos a não usar nada para usar alguns produtos e com o tempo a situação vai melhorando ”, comenta Guadalupe Franzosi, gerente de Marketing e Vendas da Divisão de Tecnologias de Proteção da Dupont.

Nesse contexto, as empresas da área elétrica são exceção, estando bem à frente no uso de EPIs em relação a outros segmentos no mercado. ” As concessionárias e as geradoras de energia são empresas que cuidam do trabalhador e seguem a legislação. Isso pela própria natureza do negócio. Também tem acidente nessas empresas, mas elas estão cuidando e trabalhando em cima disso ”, pondera Casanova.

O problema maior nesse segmento são empresas tercerizadas, que nem sempre tomam os memso cuidados que as concessionárias. Segundo a Fundação Coge, em 2010 ocorreram 79 acidentes com consequências fatais envolvendo empresas do setor elétrico. Desse total, 72 acidentados eram de empresas terceiras.

Vestimenta, exemplo de potencial

Um segmento que ilustra bem o que acontece no mercado de EPIs no Brasil é o de vestimentas de proteção. Segundo Guadalupe Franzosi da DuPont, o crescimento nessa área tem sido contínuo e tende a se manter nos próximos anos. ” O número oficial da Animaseg indica que este segmento fechou o ano de 2010 em torno de US$ 250 milhões. O aumento foi de 11%  sobre o ano anterior. Os números de 2011 ainda não estão fechados, mas calculo que o mercado deve ter fechado entre US$ 280 e 300 milhões. O crescimento tem sido importante. Acredito que esteja em dois dígitos e vai continuar assim ainda por alguns anos. Tem uma estimativa para chegar em US$ 700 milhões até 2017 ”, afirma Guadalupe.

A executiva da Dupont explica que o mercado de vestimentas tem sido puxado por algumas indústrias, principalmente as relacionadas à infraestrutura, tanto na construção quanto na parte de energia. ” E como teremos a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o Brasil como um todo deverá crescer nos próximos anos ”, projeta.

Guadalupe destaca que a Dupont atua na área de vestimentas para proteção química, de fogo, e de arco elétrico, e no mercado de proteção mecânica, que é o caso de luvas de proteção para as mãos.

Para a empresa, os itens relacionados ao fogo e arco elétrico não representam o maior mercado nessa área. No entanto, é o setor que mais tem crescido nos últimos anos, aspecto que a levou a adotar um novo modelo de negócios no Brasil. ” Hoje, além de sermos fabricantes de matéria-prima para vestimentas, confeccionamos e vendemos os tecidos prontos para quem quer fabricar a roupa, e vendemos a vestimenta com a nossa marca ”, destaca Guadalupe.

A busca por confiabilidade e segurança não ocorre por acaso. Não apenas no caso das vestimentas, mas em todos os tipos de EPIs para área elétrica, qualidade é fundamental para proteção do trabalhador. Assim como é importante ter a peça adequada para cada situação.

” A vestimenta é a última barreira. Quando tudo deu errado, o que vai proteger o trabalhador é a vestimenta. É como freio de carro. Por isso ter um EPI no qual você confia é importante.Você não liga o carro e sai andando se não tiver confiança no freio. É a mesma coisa com EPI ”, compara Guadalupe, acrescentando que a busca a DuPont a mudar seu modelo de negócio nessa área no Brasil.

” Percebemos que tinha um problema de credibilidade com algumas empresas no Brasil. Por isso escolhemos este modelo de negócio, onde vendemos tecidos e também roupa com a nossa marca. Isso começou no final de 2008 e solidificou a partir de 2010 e 2011. Começamos a fazer isso justamente a pedido do segmento energético. Nosso teste foi a AES  Eletropaulo de 2008. E a partir dái temos andando a passos acelerados ”, completa.

No quesito qualidade, Raul Casanova Júnior comenta que os EPIs produzidos no Brasil têm melhorado nos últimos anos. No entanto, no mercado ainda são encontrados itens de qualidade inferior. O executivo alerta que uma parte do mercado é séria, mas tem outra que é problemática. Com isso é possível encontrar um item adequado com preço médio de R$ 70,00 concorrendo com um similar, de qualidade duvidosa, sendo vendido por R$20,00.

Para combater o problema, dois pontos são fundamentais, investir na conscienização de usuários e  empresas e aumentar a fiscalização. ” O grande problema do Brasil é a falta de de conhecimento de quem usa. Quando se trata de EPI, o primeiro passo é informar o usuário para que ele entenda a importância de comprar um produto para se proteger, ou proteger seu funcionário. O segundo é comprar algo que tenha qualidade ”, ressalta Casanova, que lamenta o fato de algumas companhias ainda exigirem EPIs como custo, e não como investimento.

Outro ponto relacionado à informação diz respeito à correta especificação dos EPIs, conforme o grau de risco a que o trabalhador está exposto. Infelizmente, há um grande número de empresas que fornecem EPIs aos funcionários apenas para evitar multas do Ministério do Trabalho e Emprego, sem se preocupar com sua correta esepecificação e qualidade. No caso de risco de arco elétrico, por exemplo, as vestimentas para proteção térmica devem suportar uma maior quantidade de energia incidente, reduzindo a possibilidade de lesões por queimadura e ampliando o tempo d efuga do trabalhador.

As empresas também precisam orientar o usuário a utilizar corretamente os EPIs. Nesse caso, ainda é comum os trabalhadores relutarem em usar os equipamentos ou vestir uma camisa com os botõe abertos por exemplo, por se sentirem desconfortáveis. Por isso, é preciso mostrar a ele de forma enfática os riscos a que ele está sujeito e as vantagens que os EPIs tazem para sua segurança.

Para amenizar a situação, os fabricantes de EPIs têm investido em modelos mais confortáveis que favorecem o uso em maior escala. Mas essa não é um equação simples, visto que, normalmente, quanto maior o conforto, menos a segurança. O desafio, portanto é superar esse obstáculo.

” A vestimenta mais pesada, mais desconfortável, que limita os movimentos, ou uma luva grossa, protege mais o usuário. Mas com o tempo isso tem evoluído e se começa a desenvolver produtos com o mesmo ou até maior nível de segurança, mas com conforto maior ”, pondera Guadalupe.

No caso da DuPont, a executiva afirma que algumas peças já são desenvolvidas com esse perfil, onde se consegue a mesma atuação de categoria 2 de arco  elétrico, por exemplo, com produtos mais leves que o algodão tratado. ” Se você tem a vestimenta numa cor clara e numa gramatura mais leve, o funcionário fica mais fresco e com isso tende a usar da forma certa. Por isso o desenvolvimento tem a ver o design também, explica Guadalupe.

Obviamente, o feedback dos usuários é fundamental para a evolução das peças. Afinal, eles é que podem descrever  em que situações se sentem desconfortáveis e quando os EPIs limitam os movimentos ou campo de visão entre outros pontos. ” Nos próximos  lançamentos são, em sua maioria, produtos que já existem, mas qie tem um novo design. E isso tem muito a ver com os comentários dos usuários ”, destaca.

NR10 tem impulsionado o mercado

Se há um aspecto que ratifica a evolução do mercado de EPIs no Brasil, este é o normativo. E no pacote podemos considerar tanto as normas técnicas desenvolvidas nos últimos anos, que colaboram para a regulamentação do mercado e para o aumento do nível de qualidade dos produtos, quando a NR10, a Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que passou por uma profunda revisão em 2004.

Em linhas gerais, a NR10 estabelece parâmetros para a adoção de providências que garantiram a segurança dos profissionais que trabalham  com eletricidade, o que inclui o uso de EPIs, dai sua influência no setor. Com isso, a norma tem contribuído tanto para a evolução da proteção dos trabalhadores, quanto para o formento dos negócios no mercado de EPIs.

Ocorre que, para se adequar às exigências impostas pela legislação, industrias de todas as áreas tiveram de investir na proteção dos profissionais. Por outro lado, os fabricantes de EPIs tiveram de se preparar para atender a esta demanda. Sem contar que a NR10 colocou o tema segurança em evidência, atraindo a atenção de empresas e trabalhadores.

” A NR10 teve um impacto  grande no setor de EPIs. Por que toda vez que se levanta um assunto e começa a trabalhar nele, ele fica em evidência . E quando fica em evidência passa a ser mais cobrado, há mais fiscalização. Por isso, quando saiu a NR10 gerou o aumento do consumo de EPIs e , consequentemente, aumento de proteção ao trabalhador ”, afirma Raul Casanova.

” A NR10 não é perfeita, mas é um ponto positivo para o País. O Brasil melhorou e caminha no rumo certo. Não é um mercado maduro como os Estados Unidos e a Europa. Mas segue no caminho certo, e rapidamente ”, complementa Guadalupe.

O diretor executivo da Animaseg cita ainda que, em 2009, houve novo impulso no mercado com a publicação da Portaria  121 MTE. Nesse caso, a mudança esteve relacionada ao Certificado de Aprovação (CA) de alguns produtos, especialmente vestimentas de proteção. Sem este CA,  o produto não pode ser comercializado.

Raul Casanova explica que antes da Portaria 121 o que ocorria com as vestimentas de segurança para a área elétrica é que ela tinham norma internacionais, mas não tinham laboratórios para fazer ensaio. Por isso, o ministério aceitava que um engenheiro responsável emitisse um termo de responsabilidade dizendo que aquela vestimenta atendia um determinado risco. E dava o CA.

Mas com a a Portaia 121 a situação mudou e o CA passou a ser concedido apenas para itens com ensaio em laboratório. E, diante  da falta de laboratório no País a orientação foi para que as empresas fizessem os ensaios no exterior. ” Isso deu uma mexida generalizada no mercado. Por que, por dois laboratórios no mundo (Canadá e Estados Unidos) que fazem os ensaios. Isso aumentou o custo para tirar o CA, mas fez com que todos se mobilizassem e as peças começaram a ser ensaiadas. Com isso, todos estão melhorando seus produtos, o que fez com que todos ficassem melhor. Por outro lado, quem consome passou a prestar mais atenção na qualidade dos produtos ”, comenta Casanova.

” A mudança do Ministério do Trabalho para passar de termo de responsabilidade para certificação exige qualidade. Por que você precisa passar por testes internaionais. E não é qualquer produto que passa nestes testes. Quando se tem que certificar num laboratório independente, a qualidade do mercado como um todo sobe ”, ressalta Guadalupe.

No quesito normas técnicas, o primcipal avanço desse mercado ocorreu em 1996, com a criação do Comitê Brasileiro dee Equipamentos de Proteção Individual (CB-32), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Grosso modo, este comitê, criou e centralizou as Comissões de Estudo (CEs) para elaboração e revisão das normas brasileiras de EPIs para todas as áreas, o que trouxe avanços para o setor.

O comitê funciona como suporte técnico, administrativo e financeiro da Animaseg  e, atualmente, abriga 21 comissões que estão trabalhando e fazendo normas para todos os tipode EPIs, inclusive para o setor elétrico.

Assim como em outras áreas há diferentes níveis para cada segmento, com alguns produtos já bastante avançados em termos normativos, e outros ainda começando o processo de desenvolvimento das normas, que geralmente estão alinhadas às normas internacionais, como a ISO.

” A idéia é cobrir o mercado todo de EPIs com o passar do tempo. Mas isso é difícil, pois temos muitos tipos de produtos. Mas estamos trabalhando. A orientação da ABNT é adotar a ISO, se possível integralmente. Quando sai uma NBR ISO é bom por que no exterior eles veem que atendemos à mesma norma que eles. Quando não tem ISO tentamos uma norma regional, como uma EN que vale para toda a Europa, ou a ANSI, que vale para os EUA”, comenta Casanova.