Pós – como evitar explosões

Os ambientes industriais que envolvem o processamento, a armazenagem e
o transporte de pós e granulados, afora as ameaças à saúde do trabalhador, também apresentam riscos de explosão, com magnitude suficiente para causar a destruição total de instalações e de vidas. O artigo a seguir relata algumas ocorrências de explosões na indústria e sugere medidas preventivas
Nos últimos anos, passamos a notar que notícias sobre incêndios e explosões em instalações que processam grãos têm sido veiculadas com certa freqüência nos meios de comunicação. Catástrofes envolvendo prejuízos de milhares de dólares e com vítimas fatais não são mais exclusividade dos Estados Unidos, França, ou Espanha. Entre as ocorrências no Brasil, podemos resumidamente citar:
Em janeiro de 1992, explodiu a célula C-2 do silo vertical do porto de Paranaguá-PR, matando dois trabalhadores e ferindo outros cinco. A provável causa da explosão apontada na época teria sido a combustão da poeira de cevada armazenada no local durante uma operação de limpeza que acontecia no décimo andar do silo, que tinha 13 andares e 55 metros de altura.
Em junho de 1993, explodiu um túnel de expedição de grãos da Cooperativa Agrícola Vale do Piqueri (Coopervale), em Assis Chateaubriand-PR. A explosão foi tão forte que deslocou o túnel seis metros acima do subsolo, lançando-o a mais de um metro no ar, e formou uma cratera de mais de quarenta metros de diâmetro.

Silos destruídos por explosão em Blaye, França

Quatro homens que trabalhavam no escritório da balança do setor de expedição morreram e seis ficaram feridos. Segundo moradores da cidade, o estrondo foi ouvido a quilômetros de distância. Estilhaços de metal foram lançados a mais de mil metros. Os silos ficaram praticamente destruídos e os elevadores foram todos desmontados. Uma causa aventada na época foi a poeira em suspensão do milho transportado pelo túnel, que, em contato com uma faísca elétrica, teria provocado uma explosão em cadeia.
Em novembro de 2001, uma explosão no depósito da empresa multinacional Coinbra, responsável pelo armazenamento de grãos do Corredor de Exportação do Porto de Paranaguá-PR, deixou 18 pessoas feridas. Os técnicos do porto afirmaram na época que o desastre poderia ter sido causado por limpeza deficiente das esteiras que transportavam os grãos das cinco mil toneladas de milho estocadas no local. A explosão teve magnitude tal que pedaços de telhas de zinco foram arremessados até mil metros de distância, e estruturas de cimento com mais de trezentos quilos também foram encontradas longe. Além do prejuízo com a perda do depósito, houve consideráveis danos causados aos caminhões que estavam na rua, aguardando para descarregar, bem como a paralisação das esteiras que abasteciam os nove armazéns graneleiros, provocando a suspensão das operações do Corredor de Exportações. Caso a explosão não tivesse ocorrido na hora do almoço, um número maior de vítimas teria sido registrado.
Em dezembro de 2003, um incêndio destruiu três secadores de soja, com quarenta toneladas cada, da Bunge Alimentos, em Rio Grande-RS.
A fotografia de abertura deste texto ilustra o poder de destruição de uma explosão desse tipo, a explosão ocorrida em agosto de 1997 no terminal graneleiro da Semabla, em Blaye, na França. O complexo era formado por 44 cilindros de concreto, cada um com seis metros de diâmetro e 36 m de altura, dispostos em três fileiras, com capacidade de armazenamento de 37 mil toneladas de milho, cevada e trigo. O evento causou onze mortes, sendo que seis vítimas foram encontradas soterradas em seus postos de trabalho, porque não houve tempo de promover a evacuação do local. Pedaços de concreto de tamanho considerável foram encontrados a cem metros de distância.
A formação da atmosfera explosiva – Pa-ra que aconteça uma explosão com pós, é necessária a presença simultânea de uma fonte de ignição e uma atmosfera explosiva. Podemos resumidamente dizer que uma atmosfera explosiva de pós é formada por uma determinada concentração de partículas em suspensão.
A ocorrência de atmosferas explosivas é mais facilmente compreendida quando citamos exemplos de instalações da indústria química e petroquímica, onde os produtos são inflamáveis e permitem rápida associação com eventos de incêndios e explosões. Uma dificuldade maior é encontrada quando se tenta explicar para um leigo que, por exemplo, um punhado de leite em pó pode formar uma atmosfera explosiva, e que sob determinadas condições, pode resultar numa explosão.
A maioria dos grãos é suscetível de desenvolver um processo rápido de combustão quando o tamanho das partículas for suficientemente pequeno e houver uma fonte de ignição presente.
Sob confinamento, tal combustão adquirirá condições para originar uma explosão, produzindo gases quentes que, por sua vez, geram um rápido aumento de pressão no recinto.

Motor elétrico coberto por pó

Sob confinamento, tal combustão adquirirá condições para originar uma explosão, produzindo gases quentes que, por sua vez, geram um rápido aumento de pressão no recinto.
Cabe ressaltar que o processo de formação de atmosfera explosiva por pós combustíveis é completamente diferente em relação ao dos gases inflamáveis. Enquanto os gases inflamáveis, ao serem liberados para a atmosfera, difundem-se facilmente, buscando formar uma mistura homogênea, as partículas de pós tendem a se assentar, resultando em acumulações na forma de montes ou camadas.
As partículas podem permanecer em suspensão por alguns momentos, dependendo de sua massa e do seu diâmetro, e dessa forma “viajar” diversos metros, desde o ponto de liberação até outros locais da planta onde finalmente se assentarão. Elas também podem vazar do interior de equipamentos e migrar para o interior de outros componentes da instalação como, por exemplo, de um funil para uma caixa terminal de eletricidade. Acumulam-se no piso, nas tubulações, nas superfícies de equipamentos, nas bandejas de cabos, nos eixos dos motores elétricos, entre outros. Colocamos neste artigo uma fotografia para ilustrar o acúmulo de pó em tais instalações.
Incêndios e explosões – As partículas de pó, em contato com fontes de ignição, podem apresentar condições tanto para iniciar incêndios (quando acumuladas em camadas) quanto para iniciar explosões (quando postas em suspensão, acidentalmente, ou mesmo por meio de uma operação “normal”, como a limpeza por varrição).
Se uma nuvem de poeira potencialmente explosiva entrar em contato com uma fonte de ignição suficientemente poderosa (alguns milijoules são suficientes), uma ignição inicial será produzida. Esta é chamada de explosão primária, que geralmente se desenvolve com velocidade subsônica (deflagração), gerando um considerável volume de gases quentes que desenvolverão uma onda de pressão. Com isso, a poeira depositada nas proximidades entra também em suspensão, dando origem a uma nova nuvem de poeira à frente da chama, que agora passa a ser a fonte de ignição dessa nova nuvem (mistura inflamável). O processo se repete, produzindo uma seqüência de várias explosões secundárias, liberando energia de forma crescente, que poderão ter como conseqüência a devastação da planta inteira.
Uma das fontes de ignição mais comumente encontradas nas instalações em atmosferas explosivas são as centelhas, geralmente produzidas por equipamentos elétricos (motores, dispositivos de comando e luminárias) inadequados, ou mesmo instalados de forma incorreta em relação às normas técnicas aplicáveis.
A tabela 1 indica uma estatística sobre 129 eventos de explosões em instalações agrícolas americanas entre 1988 e 1997, nas quais 70% das causas puderam ser identificadas.
Fatores que influenciam o processo – Para que se produza uma explosão de pós, devem concorrer simultaneamente as seguintes condições:
° Pó combustível em suspensão, com baixo teor de umidade;
º Concentração da nuvem acima do limite inferior de explosividade (LIE);
º Partículas de tamanho conveniente;
º Ar (oxigênio) presente;
º Fonte de ignição com energia suficiente.
Com relação à fonte de ignição, pode-se afirmar que é mais difícil se iniciar uma explosão de pó que uma inflamação de gases ou líquidos inflamáveis, porque a energia necessária para ignição dos pós é mil vezes superior (da ordem de mJ) à dos gases inflamáveis (da ordem de mJ).
A tabela 2 fornece propriedades interessantes de alguns pós, sendo importante ressaltar que diferentemente dos gases, que são prontamente identificados por sua fórmula molecular, não podemos assumir, por exemplo, que a fécula de milho de um determinado fornecedor brasileiro tenha o mesmo LIE indicado na tabela – retirada de literatura estrangeira –, pois diversas características, como o teor de umidade e o diâmetro das partículas, afetam este valor. A determinação do LIE é válida apenas para o lote da respectiva amostra ensaiada. Os valores da Tabela 2 são, portanto, meramente ilustrativos e não devem ser usados onde a precisão seja necessária, como em estudos de engenharia para uma instalação particular.
As lições aprendidas – Das ocorrências mencionadas no início deste artigo, é interessante comentarmos os resultados das investigações nos acidentes de Blaye e de Assis Chateaubriand.
Em Blaye, o relatório final sugeriu uma série de medidas que devem ser implantadas em outros silos em operação. A pesquisa das causas convergiu para duas hipóteses:
º Defeito no ventilador do sistema centralizado de coleta de pó, localizado na Torre Norte e que recolhia o pó de diversos locais;
º Auto-ignição, em virtude do sobreaquecimento no compartimento de pó coletado, associado à temperatura ambiente elevada.
Entre as medidas preventivas então sugeridas, destacamos:
º Verificar a possibilidade de substituição do inseticida injetado por produto que não contenha solventes inflamáveis em sua formulação;
º Adotar um sistema de medição interna de temperatura que faça a compensação para variações da temperatura ambiente, e promova monitoração em diversos pontos do silo;
º Adotar a distância de 1,5 vezes a altura do silo como mínima para edificação de escritórios ou oficinas;
° Prever um local em área aberta para armazenar o pó coletado. Em Blaye, o local de armazenagem ficava na Torre Norte e eles esperavam de três a cinco semanas para esvaziá-lo diretamente no rio.
No evento de Assis Chateaubriand, a perícia efetuada pelo Instituto de Criminalística (laudo nº 8.513) apontou:
° O centro de origem das explosões foi determinado como sendo no final do túnel, junto dos elevadores de cereais do setor de expedição, mais precisamente onde se encontravam instalados os motores de acionamento das correias de transporte do cereal;
º Não foi identificada a fonte de ignição que desencadeou a série de explosões;
° Como a perícia foi executada para dar suporte à instauração de inquérito pela Delegacia Regional de Polícia de Assis Chateaubriand, não contemplou sugestões de medidas para evitar novas ocorrências.
A análise de causas de explosões é um processo complexo e demorado, que demanda entrevistas com sobreviventes, pesquisa de documentos, procedimentos, históricos de manutenção, e que tem que superar a descaracterização da causa, feita pela própria explosão. Como exemplo, suponhamos que em um determinado ponto do processo seja percebida a formação de carga eletrostática. Com a planta em operação, é possível aproximar um instrumento de medição e verificar se o potencial está se aproximando de um nível perigoso. Porém, se tal potencial subir a ponto de possibilitar a ocorrência de uma centelha e esta promover uma explosão, a própria centelha já será o resultado da descarga naquele ponto, o qual conseqüentemente, não apresentará qualquer potencial eletrostático após a explosão que possa ser medido pelos peritos.
Portanto, a segurança da instalação não pode prescindir de um adequado plano de avaliação e inspeção periódica nos equipamentos elétricos, especialmente aqueles destinados ao uso em área classificada.
As normas brasileiras – A Norma Regulamentadora NR-31 é a diretriz legal que define os requisitos mínimos para a segurança do trabalhador do segmento agrícola, e ela traça diretrizes para a execução de instalações seguras de silos, donde destacamos:
31.14.11 – Os elevadores e sistemas de alimentação dos silos devem ser projetados e operados de forma que evitem o acúmulo de poeiras, em especial nos pontos onde seja possível a geração de centelhas por eletricidade estática.
31.14.12 – Todas as instalações elétricas e de iluminação no interior dos silos devem ser apropriadas à área classificada. Nota: Denomina-se “área classificada” a região identificada com potencial para formar uma atmosfera explosiva. Esta identificação se dá por meio da execução de um estudo de classificação de áreas, o qual em geral depende de especialistas com experiência e aperfeiçoamento no exterior, uma vez que não há cursos avançados sobre o tema no País. Com o estudo pronto, pode-se apontar os locais onde serão exigidos apenas equipamentos elétricos aprovados para uso seguro nessas condições.
As diretrizes técnicas para a execução das instalações são dadas pelas normas ABNT. O Subcomitê SC-31 do COBEI (Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações) é o responsável pela elaboração das normas ABNT para instalações elétricas em ambientes com atmosferas potencialmente explosivas.
Para instalações elétricas em ambientes sujeitos a poeiras combustíveis, a normalização é conduzida pela Comissão de Estudo CE:03-031.06, que elabora o texto da norma brasileira com base na norma internacional (IEC – International Electrotechnical Commission) correspondente, e consolida o texto final após considerar os comentários recebidos na etapa de consulta pública, gerenciada pela ABNT. A Tabela 3 fornece a relação de normas IEC aplicáveis à instalação elétrica em ambientes com pós combustíveis.
Conclusões – As operações desenvolvidas nas indústrias que processam pós, por exemplo, os ramos de processos, armazenamento de grãos, alimentícia, farmacêutica, siderurgia, entre outras, merecem atenção especial, pois, embora aparentemente “inofensivos”, sob determinadas condições, os pós podem gerar explosões de considerável magnitude, atingindo comunidades vizinhas.
ESTELLITO RANGEL JUNIOR