Segurança Intrínseca: foco nas normas

Nos últimos 20 anos, a indústria se acostumou com a divisão de equipamentos da segurança intrínseca em categorias associadas ao local onde eram empregados – a Categoria “ia” – equipamentos que permaneciam seguros, sem causar a ignição da atmosfera explosiva, mesmo na ocorrência de duas falhas quaisquer – e a Categoria “ib” – equipamentos que permaneciam seguros na ocorrência de uma falha qualquer.

A última versão da norma IEC 60079-11 (edição 2006) formalizou uma terceira categoria que se denomina Categoria “ic”. Este conceito já havia sido discutido nos idos de 1980 e somente em 2006, passou a fazer parte da norma internacional de segurança intrínseca. Seguindo o mesmo conceito de que a categoria “ia” é adequada para uma Zona 0, a categoria “ic” refere-se a um produto que, em operação normal, é adequado para uma Zona 2, onde não se espera a ocorrência de uma atmosfera explosiva em condições normais de operação.

A Segurança Intrínseca é também conhecida por proteção por projeto, visto que tem por objetivo limitar a energia nos circuitos elétricos do equipamento, fazendo com que não apresentem energia suficiente com capacidade de causar a ignição de atmosferas potencialmente explosivas, mesmo nas ocorrências de falhas que venham a ocasionar centelhas ou superfícies aquecidas que estejam em contato com a atmosfera potencialmente explosiva.

Por se tratar de limitação de energia, é uma técnica adequada para equipamentos eletrônicos, tipicamente empregados na instrumentação de controle e processos.

Existe um conceito que define a ocorrência de um acidente após a ocorrência de dois eventos. Desta forma, considerando que uma Zona 0 refere-se a um ambiente com a presença constante da atmosfera explosiva, o gás presente não é um evento, mas sim um fato.

Em Zona 1, onde se espera que ocorra a atmosfera explosiva em operação normal, a sua presença se torna um evento. Desta forma, na ocorrência de uma falha no equipamento estaríamos frente à ocorrência de dois eventos e mesmo assim não ocorreria o acidente.

Outra grande característica desta técnica é que um equipamento projetado com energia limitada para uso em Zonas 0 e 1, não precisa ser desenergizado no caso de uma conexão ou desconexão, visto que eventuais centelhas que venham a ocorrer estariam com níveis de energia muito baixos.

Para Zona 2 já existe uma norma que trata da técnica de equipamentos não acendíveis – a categoria “ic” seria, em termos de limitação de energia, uma técnica com o mesmo objetivo da Não Acendível com Energia Limitada (Ex nL).

A grande novidade relacionada com a segurança intrínseca é a norma internacional IEC 60079-27 que trata do conceito Fieldbus com segurança intrínseca e do conceito Fieldbus com a técnica de não acendível (modelos FISCO e FNICO). Esta norma internacional foi publicada em 2005 e a versão brasileira já se encontra em consulta pública e será publicada como NBR IEC 60079-27. Para os usuários de segurança intrínseca, esta norma veio facilitar enormemente as instalações dos sistemas Fieldbus.

As empresas petroquímicas e químicas classificam as suas áreas segundo a norma IEC 60079-10 – que já possui versão nacional (NBR IEC 60079-10). Um aspecto fundamental desta norma é que tende a esclarecer definitivamente que, no Brasil, não é aplicável o conceito Norte-Americano de Divisão.

Exemplos de como o Flacs processa a simulação

“Acreditamos que nas próximas revisões da NR-10, sejam inclusos estes preceitos não só para os envolvidos com a conversão dos equipamentos de área classificada, mas também para os que trabalham com a instalação e especificação dos equipamentos, completando desta maneira todas as partes do ambiente de Atmosferas Explosivas”, ressalta Sandro Campos, especialista da UL.
Um outro ponto relevante quando se trata de discutirmos novas edições das normas empregadas em atmosferas explosivas refere-se a versão aprovada pela legislação que rege o programa de certificação. A Portaria 83, por exemplo, permite o emprego de normas internacionais na ausência da norma brasileira. Entretanto, algumas das normas constantes na Portaria 83 já se encontram com edição anterior das atuais emitidas pela IEC – quando a norma brasileira em elaboração com base nas últimas edições das normas internacionais for publicada, estas automaticamente passam a ser adotadas nos programas de certificação. Entretanto, na ausência destas normas, mesmo que um produto importado tenha sido projetado segundo as últimas edições, deverá atender a versão anterior.

Em se tratando ainda de certificação, existem produtos certificados com versões de normas anteriores àquelas que se encontram na Portaria 83. Esta mesma portaria estabeleceu o prazo de Dezembro de 2007 para que todos os produtos se adequem as edições requeridas pela Portaria. Segundo Giovanni Hummel Borges, gerente técnico da UL do Brasil, a empresa informa seus clientes sempre que há necessidade de adequação, de forma que estes devem se pronunciar quanto a continuidade da certificação, se há interesse em adequar-se.

Para Giovanni, este trâmite pode causar dificuldades no trabalho de certificação, se os clientes deixarem tudo para a última hora. “As certificadoras comunicam aos seus clientes as modificações existentes e estes deveriam, em tempo hábil, comunicar se continuarão com a fabricação dos equipamentos”.

Tratando-se de produtos importados, Giovanni comenta que as empresas levam a sério a legislação, procurando importar os seus produtos legalmente. Já aquelas empresas que hoje procuram exportar seus produtos estão aprendendo sobre os esquemas internacionais. Precisam conhecer não só as normas mas também as diretivas que exigem acompanhamentos algumas vezes mais freqüentes do que aqueles empregados no Brasil. “No âmbito do Brasil, para os equipamentos para atmosferas explosivas, é feito um acompanhamento uma vez por ano; já no exterior pode chegar até quatro vezes por ano, em alguns países”.

As normas são traduzidas por voluntários da sociedade, sejam eles usuários, fabricantes e neutros (como os Organismos de Certificação e Laboratórios) e o Subcomitê SC31 é o responsável por elaborar as normas de segurança apara as áreas explosivas.

Mas a verdadeira segurança do consumidor em relação ao tema equipamento para áreas classificadas está muito ligada à certificação compulsória.

Segundo Estelllito Rangel, membro do Cobei e engenheiro da Petrobras, este conceito não se limita à conferência do protótipo enviado ao organismo Certificador de Produtos – OCP para análise, e posterior emissão do documento “certificado de conformidade”, mas também consiste de auditorias periódicas que devem ser realizadas pelo OCP no fabricante, de modo a comprovar que ele está fabricando produtos que atendam aos requisitos determinados no Certificado de Conformidade. “É preocupante quando o Inmetro divulga uma pesquisa envolvendo reatores para lâmpadas fluorescentes de uso comercial e residencial, os quais também possuem certificação compulsória – informando que a maioria dos produtos no mercado, embora possuísse ‘certificado de conformidades’ não estava cumprindo os requisitos”.

Isto denota claramente que os OCPs não estão efetuando suas auditorias a contento, pois deveriam notificar formalmente os fabricantes quanto às não-conformidades e até mesmo suspender os certificados de conformidade nos casos de graves falhas no sistema de qualidade do fabricante, para proteger a população.

“Para emitir uma norma no Brasil, demanda-se um tempo considerável. Fica aqui um apelo para que as empresas nacionais passem a adotar as mesmas políticas de incentivo utilizadas pelas empresas estrangeiras em seus respectivos países para a participação de seus técnicos nas Comissões de Estudo da ABNT. O ganho tecnológico para o país também é visível quando se fortalece a normatização técnica”, conta Estellito.

O Brasil não possui cursos sobre classificação de áreas, o que exige especialização no exterior, de preferência um na Europa e outro nos EUA, para conhecer as duas correntes existentes. No momento, as duas correntes fazem uso dos resultados de simulações feitas por programas de dispersão para orientar os estudos mas a palavra final deve ser a do profissional responsável. O profissional também não pode ser substituído pro programas de simulação CFD – Computacional Fluid Dynamics – que permitem melhor visualização e antecipação de medidas mitigadoras.

“O Flacs, um programa norueguês CFD especializado em análise de explosões, tanto com vapores quanto pós combustíveis, ajuda na identificação dos fenômenos, mas a definição de áreas continua na mão do responsável pelo estudo pois a ele cabe a adoção de todos os fatores de segurança para situações de maior probabilidade”, comenta Estellito.

No Brasil, já existe muito interesse nos softwares CFDs para áreas classificadas. Mas eles ainda precisam incorporar as normas utilizadas no país. E jamais dispensam um bom profissional. Softwares são apenas mais uma ferramenta para profissionais, não uma panacéia para leigos.