O aterramento e a equipotencialização são dois conceitos muito importantes para a segurança
e confiabilidade das instalações elétricas de baixa tensão. Por isso vale a pena revisitá- los periodicamente.
O sistema de aterramento é composto do subsistema externo de aterramento e do sistema de equipotencialização, podendo ser definido como o conjunto de todos os eletrodos e condutores de aterramento, interligados ou não, e pelas partes metálicas que atuam direta ou indiretamente com a função de aterramento, como pórticos e torres, armaduras de edificações, capas metálicas de cabos, tubulações, etc.
Em conjunto, o aterramento e a equipotencialização atuam como medidas de proteção contra surtos (MPS), segundo a norma técnica ABNT NBR 5419:2015 Versão corrigida 2018 – Proteção contra descargas atmosféricas – Parte 4: Sistemas elétricos e eletrônicos internos na estrutura. Cabe ao subsistema de aterramento dispersar as correntes da descarga atmosférica no solo e à malha de equipotencialização minimizar as diferenças de potencial e reduzir o campo magnético.
Como todo conceito, essas duas medidas não serão eficazes caso não sejam aplicadas corretamente. Por isso, o parâmetro relevante para ambas, a impedância, dependerá muito da geometria na qual os eletrodos de aterramento e os condutores de equipotencialização forem instalados, sempre levando em conta a frequência das correntes conduzidas pelo sistema.
Em relação à norma técnica de instalações elétricas de baixa tensão, a ABNT NBR 5410:2004
versão corrigida 2008, a infraestrutura de aterramento, que consta de sua subseção 6.4.1.1.1, deve
ser projetada para:
– Que seja confiável e atenda aos requisitos de segurança das pessoas;
– Conduza as correntes de falta à terra sem risco de danos térmicos, termomecânicos e eletromecânicos, ou de choques elétricos causados por essas correntes;
– Atenda também aos requisitos funcionais da instalação, quando necessário.
Para excluir peremptoriamente qualquer conflito normativo entre os objetivos da proteção contra descargas atmosféricas em relação às necessidades funcionais e de segurança das instalações elétricas de baixa tensão, a norma ABNT NBR 5410:2004/2008 informa que os eletrodos de aterramento projetados segundo os seus requisitos podem e devem ser utilizados conjuntamente pelo sistema de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA) da edificação, nas condições especificadas na norma ABNT NBR 5419:2015 – Proteção contra descargas atmosféricas.
Enquanto a definição de aterramento nas duas normas é objetivo e convergente, o conceito de equipotencialização é apresentado na norma ABNT NBR 5410:2004/2008 de forma vaga e um tanto confusa, como pode ser lido aqui:
“3.3.1 equipotencialização: Procedimento que consiste na interligação de elementos especificados,
visando obter a equipotencialidade necessária para os fins desejados. Por extensão, a própria rede de elementos interligados resultante.”
Felizmente a norma parcialmente se redime na nota que complementa essa definição, muito mais inteligível:
“NOTA A equipotencialização é um recurso usado na proteção contra choques elétricos e na proteção contra sobretensões e perturbações eletromagnéticas. Uma determinada equipotencialização pode ser satisfatória para a proteção contra choques elétricos, mas insuficiente sob o ponto de vista da proteção contra perturbações eletromagnéticas.”
Em termos mais práticos, tanto o aterramento quanto a equipotencialização têm como inimigos:
– Medições de resistência de aterramento que não sigam as orientações da norma técnica ABNT NBR 15749:2009 – Medição de resistência de aterramento e de potenciais na superfície do solo em sistemas de aterramento
― porque, nesse caso, os valores obtidos serão incorretos.
– Valores de resistência de aterramento como parâmetros de eficiência ― já que podemos ter uma baixa resistência mas uma alta impedância.
– Condutores de equipotencialização que não sejam retilíneos ― quanto menos retilíneo o condutor, mais impedância ele apresentará.
– Sistemas de aterramento independentes para a mesma instalação ― pois isso compromete a proteção contra sobretensões.
– Ausência de inspeções periódicas ― como todo corpo metálico, cabos, fitas, hastes e conectores sofrem esforços mecânicos, térmicos e químicos que podem comprometer o seu desempenho.
No limite, um condutor de equipotencialização ideal deveria ter impedância zero para que, ao ser percorrido por uma corrente de surto, alta frequência, existisse sobre ele uma queda de tensão nula. Ou, escrito de outra maneira, para que a equipotencialização fosse perfeita, já que equipotencial significa potenciais iguais, o que na prática é impossível.
Mas como a engenharia não procura a perfeição, satisfazendo-se com o melhor possível, a impedância de um condutor de equipotencialização é uma limitação, mas não um impedimento para que ela seja utilizada como uma MPS, cabendo ao projetista da instalação aplicá-la corretamente, ou, em sentido contrário, não a utilizar quando as condições existentes não forem favoráveis, como distâncias excessivas entre os dois pontos.
Uma revisão sobre esse tema também deve ajudar a desfazer o equívoco de que a correta atuação dos dispositivos de proteção contra surtos (DPS) depende de um bom aterramento (nesse caso, na verdade, de um baixo valor de resistência do eletrodo de aterramento). Embora a instalação de DPSs seja uma MPS distinta, de fato o DPS é um elemento de equipotencialização de condutores normalmente energizados em relação à terra, modo comum, ou de condutores normalmente energizados entre si, modo diferencial. Por isso, para a proteção contra os efeitos das descargas atmosféricas, mais importante do que um baixo valor de resistência do aterramento é que o seu eletrodo seja único para a edificação, ou estrutura, que deva ser protegida.
Por esse motivo a edição de 2015 da norma ABNT NBR 5419 suprimiu qualquer referência ao nada saudoso “valor de 10 ohms”, apresentando em seu lugar uma maior ênfase na unicidade (equipotencialização) do eletrodo de aterramento, conforme a seção 5.4.1 da parte 3 da norma:
“Sob o ponto de vista da proteção contra descargas atmosféricas, uma única infraestrutura de aterramento integrada é preferível e adequada para todos os propósitos, ou seja, o eletrodo deve ser comum e atender à proteção contra descargas atmosféricas, sistemas de energia elétrica e sinal (telecomunicações, TV a cabo, dados etc.)”.
Para concluir, o aterramento e a equipotencialização pertencem à infraestrutura da instalação elétrica, e como tal devem ser projetados corretamente para que seu trajeto seja otimizado. Como o posicionamento dos barramentos de equipotencialização (BEP/BEL), dos painéis e do ponto de entrada dos cabos nos ambientes contribui, em muito, para a eficácia e eficiência do subsistema de aterramento como MPS, cabe ao projetista da instalação dedicar toda atenção necessária para que esses elementos estejam posicionados corretamente.
Engenheiro eletricista da Lambda Consultoria, consultor da Embrastec e mestre em energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP, Sergio Roberto Santos apresenta e analisa nesta coluna aspectos de aterramento, proteção contra descargas atmosféricas e sobretensões transitórias, temas aos quais se dedica há mais de 20 anos. Os leitores podem apresentar dúvidas e sugestões ao especialista pelo e-mail: em_aterramento@ arandaeditora.com.br, mencionando “EM-Aterramento” no assunto.
EM| setembro/Outubro | 2024