Na Universidade Abracopel, um artigo complementa o outro, ou seja, diversos colunistas preocupados não apenas com a segurança, mas a conscientização do setor elétrico. Confira!
Consciência
Devemos treinar as pessoas para que sigam os procedimentos, não para que sejam perfeitas.
por Sergio Roberto Santos
Em seu artigo sobre a educação, capacitação e conscientização contra os perigos da educação deficitária, publicado na página da Universidade Abracopel na internet [1], o Doutor Márcio Bottaro do Laboratório de Arco Elétrico em Vestimentas (LAEVe) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP) reflete sobre o questionamento feito pelo coordenador do evento II SUMMIT ABRACOPEL 2024, engenheiro Edson Martinho, por que ainda ocorrem tantos acidentes no Brasil causados pela eletricidade.
Motivado tanto pelo artigo quanto pelo questionamento que o suscitou, segue uma pequena contribuição para esta discussão.
Consciência.
Embora seja um termo muito utilizado, a consciência ainda é algo controverso, alvo de teorias conflitantes, que segundo uma das maiores autoridades sobre o tema, o filosofo David Chalmers, não pode ser explicada por nenhuma teoria cientifica [2]. Conforme vários estudos, provavelmente a consciência é uma evolução do sistema nervoso, cuja função adaptativa seria proporcionar aos organismos que a possuíssem vantagens para a sua sobrevivência e reprodução, possibilitando a voluntariedade e a autonomia das espécies. Ou seja, mais consciência, mais autonomia, mais liberdade (imagem 1).
Já a conscientização, o objetivo da Abracopel, corresponde a percepção do indivíduo da sua realidade e das relações estabelecidas entre seres humanos e entre eles e a natureza. Dessa forma, a conscientização permite às pessoas perceberem quais são os seus problemas, o que os causam e como resolvê-los. Por isso, conscientizar em relação aos perigos da eletricidade significa apresentar como, quando e porque a eletricidade é perigosa e como nos proteger em relação a ela.
Baseado nessa definição, informar é conscientizar, mas como será visto na sequência, a conscientização não depende apenas da informação e a segurança vai além desse ponto, porque acidentes com a eletricidade também são causados por comportamentos inadequados de profissionais tecnicamente qualificados para trabalhar com a eletricidade [3].
Quem executa uma atividade com a eletricidade é um ser humano, com sentimentos e anseios que se modificam a cada instante, em função do que está se vivendo, através da interação entre fatores intrínsecos e extrínsecos (imagem 2). Tal fato não reduz a importância do treinamento e qualificação profissional, na verdade a aumenta mas acrescenta para a segurança a necessidade de medidas que a torne compulsória, como automação de procedimentos e punições mais severas para quem não segue as orientações das normas regulamentadoras, por exemplo.
Parâmetros da segurança.
A segurança das instalações elétricas e principalmente dos trabalhos em eletricidade deve ser uma prioridade dos profissionais da área elétrica pelas suas consequências para a qualidade das suas vidas e das pessoas em geral, mas também devido aos custos associados aos acidentes [4]. Assim como não cabe ao motorista decidir se ele e os seus passageiros devem ou não utilizar um cinto de segurança, por melhor que sejam as suas habilidades, uma instalação elétrica não pode ser insegura, dentro de critérios objetivos, definidos nas normas técnicas [5].
Por esse motivo, a segurança das instalações elétricas deve ser compulsória, sendo essa segurança imposta através do Estado, tendo o poder municipal, pela sua proximidade com o cidadão, um papel fundamental.
A importância da legislação na promoção da segurança das instalações elétricas tem como corolário o código de defesa do consumidor [6] e as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, com destaque para a NR10 [7].
Independentemente da consciência de empregadores e trabalhadores, as determinações normativas devem ser impostas, tal como aconteceu com a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, que através da aplicação de multas reduziu significativamente as consequências dos acidentes de trânsito, mesmo não tendo diminuído o seu número.
Outra forma de compulsoriedade para a segurança é a implantação de sistemas e procedimentos automatizados, que evitem atitudes inseguras, como o intertravamento, medições indiretas e o uso de drones, por exemplo (imagem 3). Essas inciativas, como externalidades positivas, além de tornarem os trabalhos com a eletricidade mais seguros, também aumentam a eficiência das manutenções. Neste caso, teremos mais do que profissionais, empresas qualificadas, onde o todo será maior do que a soma das partes.
A Abracopel e a conscientização.
A Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) foi fundada em fevereiro de 2005 com o objetivo, apresentado em seu nome, de reduzir o número de acidentes causados pela eletricidade através da conscientização das pessoas em geral sobre os riscos da eletricidade.
Ao longo da sua existência ela vem realizando inúmeras ações para aumentar o número de consumidores conscientes da importância de contratarem profissionais qualificados e adquirirem produtos certificados [8].
Apesar de conscientes dos resultados alcançados pela Abracopel ao longo de seus anos, contribuindo também com os fornecedores de materiais elétricos e os prestadores de serviço nessa área, através de uma doutrinação constante, a pergunta que motivou o artigo do Dr. Bottaro, e consequentemente este artigo, demonstra uma certa angústia e senso de urgência dos abracopelenses.
Mas nesse caso, vale ler a frase do psicanalista Carl Gustav Jung, ” O que é bom é custoso. Requer tempo, requer paciência, e não há um fim para isso”, citada em um texto publicado na página da própria Abracopel e que converge com o artigo do Dr. Bottaro [9].
Finalmente, também é necessário considerar as realidade da sociedade brasileira, objeto da ação da Abracopel. Existem aspectos relacionados à renda, nível educacional e segurança jurídica que influenciam as relações de consumo e a segurança das instalações elétricas. Para entender melhor essas relações, a Abracopel tem realizado estudos sobre os acidentes causados pela eletricidade, com destaque para o seu anuário estatístico de acidentes de origem elétrica [10] (imagem 4).
Conclusões.
Não existe uma bala de prata para aumentar a segurança das instalações elétricas, sendo conscientização e imposição medidas complementares. Ela depende tanto da consciência da sociedade, quanto de medidas que a imponha aos seus usuários, projetistas, instaladores ou mantenedores. Nesse caso a consciência também pode e deve ser imposta, preferencialmente pela educação, mas também pela coação.
Referências.
1] Bottaro, Marcio. Educação, Capacitação e Conscientização contra os perigos da Educação Deficitária! Universidade Abracopel. https://abracopel.org/download/educacao-capacitacao-e-conscientizacao-contra-os-perigos-da-educacao-deficitaria/?doing_wp_cron=1729440253.7032880783081054687500
2] Chalmers, David John. The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. Oxford University Press. 1996.
3] Antunes, Maria de Fátima Antunes. Ferreira, Daniela Alves. Alta Tensão Mata! Estresse como fator de risco para o trabalhador. VIII IEEE ESW Brasil 2017, Seminário Internacional de Engenharia Elétrica na Segurança do Trabalho. Outubro de 2017. Salto, São Paulo. da
4] Raduns, Carolina Daiane. Mastella Camila Gonçalves. Acidentes de trabalho: números e impactos. IX ESW Brasil 2019, Seminário Internacional de Engenharia Elétrica na Segurança do Trabalho. Julho de 2019. Salto, São Paulo.
5] Santos, Sergio. As normas técnicas e a segurança das instalações elétricas. Universidade Abracopel. https://abracopel.org/download/as-normas-tecnicas-e-a-seguranca-das-instalacoes-eletricas/
6] Ministério da Justiça, Secretária Nacional do Consumidor. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Brasília, 2013. https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/consumidor/Anexos/cdc-portugues-2013.pdf
7] Ministério do Trabalho e Emprego. Normas Regulamentadoras. Normas Regulamentadoras – NR — Ministério do Trabalho e Emprego
8] Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel). Quem somos. https://abracopel.org/a-abracopel/
9] Casquel, Sara. Santos, Sergio Roberto. A importância do treinamento continuado.
10] Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel). Anuário Estatístico de Acidentes de Origem Elétrica 2024 – Ano base 2023.
Por Sergio Santos em Abracopel