Nova norma estabelece diretrizes para gestão de risco, mitigação de danos e seleção de EPIs

A norma brasileira sobre arcos elétricos em equipamentos de alta, média e baixa tensão, que está prestes a ir a Consulta Nacional, visa mitigar danos com métodos de cálculo de energia incidente, sinalização de riscos e seleção criteriosa de EPIs, reforçando a segurança em instalações elétricas. Aqui, um mergulho em seu conteúdo na visão de dois destacados membros da comissão da norma.

Arcos elétricos em instalações e equipamentos de alta, média ou baixa tensão podem causar eventos catastróficos, com vítimas fatais, destruição do patrimônio e longas interrupções de serviço a indústria. Com o objetivo de fornecer métodos para uma análise de risco de arco, com cálculos para a estimativa da energia incidente, critérios para adoção de meios de proteção e prescrições para mitigar os danos causados pelas faltas a arco, o GT de Energia Incidente da Comissão de Segurança em Eletricidade (CE-003:064.012) do Cobei/ABNT tem se dedicado à elaboração de uma norma nacional sobre o tema. O documento, baseado em normas e padrões estrangeiros e adequados ao contexto brasileiro, considera também os mais recentes resultados de ensaios realizados em laboratórios de pesquisa ao redor do mundo. O projeto da norma 003:064.012-007, intitulada Arco elétrico – Gerenciamento de risco de energia incidente, precauções e métodos de cálculo, deverá ser submetido à Consulta Nacional em outubro.

Std 1584; modelo conforme a IEEE Std 1584; cálculo da energia incidente para tensões acima de 15 kV; e cálculo de energia incidente para sistemas de corrente contínua); equipamentos de proteção individual; técnicas para redução de energia incidente; recomendações para operação e manutenção, gestão do estudo de energia incidente; sinalização dos níveis de energia incidente, entre outros aspectos.

A nova norma estabelece prescrições e recomendações para trabalhos em tensões que variam de 208 V a 15 kV em corrente alternada. Para tensões superiores a 15 kV, ainda há discussões globais sobre as metodologias mais adequadas para realizar os cálculos de energia incidente, embora algumas abordagens já estejam disponíveis. Por isso, a norma inclui recomendações específicas e referências a estudos em andamento para esses casos, como metodologias do Epri – Electric Power Research Institute Report 2011, Terzija e Konglin, modelo físico do fluxo de calor pelo plasma de arco teoricamente derivado e HeatFlux.

Os arcos elétricos e seu altíssimo potencial de destruição – foto mostra ensaio de EPI no Laboratório de Ensaios de Vestimentas do IEE USP, o único laboratório de ensaios de arco elétrico da América Latina

O escopo da norma compreende ponderações anteriores ao estudo da energia incidente; processo de análise para o cálculo da energia incidente (seção que foi dividida em quatro subgrupos: análise do processo conforme IEEE

Luiz Henrique Zaparoli (Eletrobras Furnas): “O objetivo principal é determinar as correntes de arco e o tempo de eliminação pelas proteções existentes, para então calcular a energia incidente e definir o limite seguro de aproximação”

O novo documento também abrange metodologias e parâmetros para o cálculo da energia incidente em sistemas de corrente contínua, apresentando modelos e um processo analítico para estimar a energia incidente a uma determinada distância de trabalho.

Luiz Henrique Zaparoli, que atua na manutenção e operação de usinas e subestações e na segurança do trabalho na Eletrobras Furnas e participa da elaboração da norma, destacou durante sua palestra no Eletrotec, realizado em agosto em São Paulo, SP, aspectos fundamentais do documento relacionados
à operação e manutenção de instalações, como estabelecimento de medidas coletivas de engenharia para diminuir o valor da energia incidente, sinalização obrigatória e conscientização dos trabalhadores
sobre os riscos, entre outros. “Não basta simplesmente calcular e fornecer EPI”, alerta.

Sinalização – Segundo ele, o projeto da nova norma brasileira determina que todos os equipamentos com risco de arco elétrico precisam ser sinalizados com relação à energia incidente, como barramentos, linhas de transmissão e painéis acima de 15 kV, painéis, barramentos, transformadores, reatores, inversores, geradores, capacitores, compensadores síncronos, motores e retificadores com tensão entre 0,208 e 15 kV; painéis, barramentos e banco de baterias em corrente contínua até 1,5 kV; e circuitos de distribuição em média e baixa tensão. “A placa deve conter, no mínimo, indicação de perigo e risco elétrico, e também o valor de energia incidente calculado para distância de trabalho considerada no estudo”.

Ele ressalta que as etiquetas e placas de identificação nos equipamentos devem considerar o pior cenário de curto-circuito e as diversas configurações do sistema elétrico, aplicando um método integrado que avalie as variações de corrente no estudo da energia incidente. Esse processo deve seguir as diretrizes da norma IEEE Std 1584, incluindo a coleta de dados críticos, como tensão nominal, corrente de curto-circuito trifásico, modo de operação do sistema, distância entre fases, dimensões do invólucro, configurações de eletrodos, distâncias de trabalho e tempo de eliminação das correntes de arco.

Nas recomendações para operação e manutenção, a norma estabelece que é imprescindível que o estudo de energia incidente esteja incluído nas análises de risco rotineiras. Além disso, todas as informações exibidas nas placas de identificação dos equipamentos devem estar alinhadas com o relatório, memorial de cálculo, estudo de energia incidente e o prontuário da instalação. Caso sejam
realizados novos cálculos ou modificações, é necessário atualizar o memorial de cálculo, atendendo às exigências de fiscalização. “É fundamental que o relatório esteja sempre em conformidade com as informações apresentadas nas placas dos equipamentos”, reforça Zaparoli.

Energia incidente – O especialista ressalta que, antes de especificar o EPI, é recomendável, como medida preventiva para aumentar a segurança dos trabalhadores, buscar a redução da energia incidente por meio de soluções técnicas para mitigar a severidade do risco térmico, como a diminuição dos tempos de atuação das proteções e o uso de tecnologias de supressão de arco. A norma recomenda a definição de tempos máximos de exposição para correntes de arco, alinhando-se com práticas de segurança internacionais e otimizando a proteção do trabalhador. Tradicionalmente, segundo ele, a seletividade de proteção era baseada apenas nas correntes de curto-circuito. Com a introdução dos cálculos de energia incidente, especialmente em instalações mais antigas, identificou-se a necessidade de também considerar as correntes de arco nos estudos de seletividade. “Se as correntes de arco não forem detectadas pelas proteções instantâneas, o arco pode persistir por um período prolongado, resultando em uma energia incidente que compromete a segurança do trabalhador”, explica.

São recomendadas duas metodologias de cálculo, uma para tensões de 208 a 600 V e outra para tensões de 600 V a 15 kV. De acordo com Zaparoli, há várias técnicas para reduzir a energia incidente, como otimização dos ajustes da unidade instantânea/tempo definido/ short time (estudo de seletividade, reajuste, substituição do dispositivo de proteção); utilização de relés monitores de arco por luz e/ou pressão; utilização de aterramento por resistência de alto valor ou redução a corrente de curto-circuito por modificação das impedâncias; implementação da seletividade lógica; instalação de disjuntor e relé no primário do transformador de potência; painéis resistentes ao arco elétrico, comando remoto de dispositivo de manobra, encapsulamento isolante de barramentos, grupos de ajustes da proteção específicos para manutenção/parada e operação; modificação de procedimentos de trabalho com consequente modificação das distâncias de trabalho consideradas, bem como a definição dos níveis de energia incidente para cada uma das atividades. “O objetivo principal é determinar as correntes de arco e o tempo de eliminação pelas proteções existentes, para então calcular a energia incidente e definir o limite seguro de aproximação”, afirma.

A distância de trabalho também é considerada um fator crítico para a segurança do operador durante a manutenção. Existem duas abordagens principais para o cálculo da energia incidente com base na distância de trabalho: o uso de uma distância única padronizada ou a definição de distâncias específicas para cada tarefa. A primeira opção simplifica os cálculos, mas pode resultar em especificações de segurança excessivas ou insuficientes. A segunda abordagem, mais trabalhosa porém mais personalizada, possibilita a escolha de vestimentas e procedimentos de proteção mais adequados e confortáveis a cada tarefa, sem comprometer a segurança.

No caso de subestações, usinas e sistemas industriais, o cálculo da energia incidente e a definição do limite seguro de aproximação deve ser realizado em todos os equipamentos sujeitos à intervenção de operação e manutenção, excetuando- se aqueles com tensões abaixo de 240 V AC e curto-circuito trifásico inferior a 2 kA, conforme definido pela norma IEEE 1584. Para sistemas de distribuição em média e baixa tensão, a norma permite a simplificação dos cálculos em pontos críticos, como o ponto
de maior e menor corrente de curto-circuito. Já na baixa tensão, a norma prevê que o cálculo na saída do secundário transformador pode ser considerado para a instalação.

Ele destaca ainda que é possível especificar as vestimentas com base na tarefa e na distância de trabalho, evitando o sobredimensionamento ou subdimensionamento dos EPIs. “É importante evitar que o trabalhador seja sobrecarregado com EPIs excessivamente robustos que, além de dificultarem a execução das tarefas, podem gerar outros riscos associados à eletricidade”, destaca. Ele cita, a título de exemplo, a preferência pelo uso de um bastão de aterramento de 1,10 m do ponto de ignição do arco do que um conjunto de aterramento com bastão de 37 centímetros, haja vista que, no caso do bastão menor, a energia incidente é maior, exigindo uma vestimenta mais pesada, com maior gramatura. “Se eu opto por fazer o mesmo aterramento com bastão maior, a energia incidente é menor e é possível trabalhar com uma vestimenta de gramatura menor, mais confortável”, afirma.

A norma estabelece que a gestão do estudo de energia incidente deve ser realizada por um profissional habilitado, com conhecimento das metodologias normativas, utilizando uma base de dados atualizada e elaborando um memorial de cálculo que identifique todos os equipamentos incluídos no estudo. Qualquer alteração nos tempos de eliminação da falta, ajustes de proteção, modificações de equipamentos, substituições de dispositivos de proteção ou mudanças na configuração do sistema
elétrico devem ser documentadas. Além disso, sempre que houver alterações nos procedimentos de trabalho ou nas distâncias de trabalho, é necessário reavaliar o estudo de energia incidente.

Seleção de EPIs
A escolha adequada de EPIs é considerada um dos principais gargalos na implementação da proteção contra efeitos térmicos de arcos elétricos. Nesse contexto, a nova norma brasileira, em desenvolvimento no Comitê Brasileiro de Eletricidade ABNT CB03, visa introduzir e aprimorar no ambiente de trabalho nacional a seleção, uso e manutenção dos EPIs com base em padrões
internacionais, adotando como ponto de partida o Draft de relatório técnico (Technical Report) do PT901 do comitê internacional IEC TC78, o documento IEC DTR 63374 – Live Working – Guidance for ris assessment, selection, use, care and maintenance of personal protective equipment against the hazards of an electric arc, e as orientações relacionadas à seleção, uso e cuidados com base na metodologia de estimativa de energia incidente da NFPA 70E – Standard electrical safety in the workplace. “No Brasil, o trabalho das comissões busca harmonizar essas orientações internacionais com a normativa local. Os procedimentos para a escolha de EPIs baseiam-se em dados e resultados de ensaios detalhados nesses guias”, afirma Marcio Bottaro, especialista em laboratório do IEE-USP, e que também participa da elaboração da norma.

Marcio Bottaro (IEE-USP): “A obrigatoriedade legal reforça a necessidade de diretrizes claras, que orientem a escolha dos EPIs”.

Segundo as regulamentações brasileiras, como a NR-6 e a NR-1, o processo de seleção desses equipamentos deve ser documentado dentro do programa de gerenciamento de riscos das empresas. De acordo com Bottaro, a obrigatoriedade legal reforça a necessidade de diretrizes claras, que orientem a escolha dos EPIs. “Daí a importância de uma norma”, justifica.

No conceito internacional atual, adotado pela futura norma, o foco é adotar soluções técnicas e planejar atividades para minimizar as energias incidentes antes de planejar a especificação técnica de um EPI. As metodologias modernas priorizam o cálculo detalhado da energiaincidente em vez de modelos simplificados por categoria, permitindo uma análise de riscos mais criteriosa e detalhada. A abordagem propõe estimar aseveridade do risco, realizar uma análiseaprofundada, e definir processos,políticas e procedimentos para reduzir aenergia incidente. “Somente após essas etapas é que se trabalha com o risco residual para, então, selecionar o EPI adequado e definir a proteção necessária”, explica o especialista.

A nova norma brasileira sobre estimativa de energia incidente proveniente de acidentes com arcos elétricos adota um modelo internacional que classifica as vestimentas em dois grupos principais: aquelas que protegem contra energias incidentes de 1,2 a 12 cal/cm2 (calorias por centímetro quadrado) e as que protegem acima de 12 cal/cm2. Vale dizer que, de acordo com estudos realizados entre as décadas de 50 e 70, é considerada segura a exposição de um trabalhador a um nível de até 1,2 cal/cm². Acima desse valor, existe a probabilidade maior do que 50% de queimaduras de segundo grau ou superiores, reduzindo significativamente a chance de recuperação do trabalhador.

Ao estimar os efeitos térmicos de um arco elétrico, é fundamental que a proteção oferecida pelas vestimentas seja igual ou superior aos valores de energia incidente estimados. Essa proteção pode ser caracterizada por diferentes parâmetros de desempenho térmico ao arco elétrico, denominados resistência ao arco elétrico nas normas ABNT, dos quais o ATPV – Arc Thermal Performance Value é o mais comum. Outro parâmetro é o EBT – Breakopen Threshold Energy, que se baseia no ponto de rompimento do material. Já o ELIM, mais recente na comunidade europeia, é um parâmetro que estabelece um nível de energia incidente sem ocorrência de queimaduras de segundo grau ou mais graves (0% de probabilidade), sendo mais conservador que o ATPV e o EBT. “O ATPV precisa ser maior que a energia incidente calculada, que muda de acordo com equipamento e distância de trabalho. Não existe especificação de vestimenta por nível de tensão ou tipo de instalação”, afirma o especialista.

De acordo com Bottaro, estudos recentes mostram que há uma variabilidade significativa nos resultados dos ensaios de resistência ao arco elétrico das vestimentas de proteção térmica. O especialista conta que em 2022 foi realizado um estudo de variabilidade com 207 amostras de materiais normalizados por gramatura. O estudo revelou uma variabilidade de 38% entre as amostras. Paralelamente, nos Estados Unidos, uma análise com 56 amostras apontou uma variabilidade de 40%. Segundo ele, esses resultados indicam uma preocupante variação na resistência ao arco elétrico, particularmente no ATPV, com diferenças de até 40% nas amostras ensaiadas, o que ressalta a necessidade de auditorias mais rigorosas de recebimento e vida útil do EPI. “Observamos, ainda, uma tendência entre os fabricantes de declarar o ATPV próximo ou acima da margem superior dos resultados históricos de ensaio”, destaca. Ainda segundo ele, uma avaliação temporal de 2018 a 2022 com seis materiais mais usados no mercado mostrou que a probabilidade de o ATPV estar acima do declarado pode chegar a 43%. “Isso acendeu um alerta”.

Outro ponto crítico, apontado pelo especialista, é a certificação dos EPIs no Brasil. Embora as vestimentas de proteção térmica já contem com processos de certificação, EPIs como protetores oculares, faciais e de cabeça ainda não possuem processo de certificação, somente obtenção de CA (Certificação de Aprovação) junto ao Ministério do Trabalho por meio de relatório de ensaio único. Já outros EPIs, como luvas para proteção térmica específica para arco elétrico, devido à falta de tipificação normativa nacional, não possuem possibilidade de registro oficial de CA como EPI nessa categoria, sendo seus ensaios somente voluntários. “O objetivo é tipificar esses EPIs para que possam ser regulamentados”, explica Bottaro. Ele também alerta para o uso de impermeáveis no setor elétrico, que podem comprometer a proteção se não compatíveis com a resistência ao arco elétrico. “O ideal é estabelecer um programa abrangente de certificação de EPI, em conjunto com a legislação, e incentivar uso adequado dos equipamentos de proteção”, resume.

A norma também abrange a manutenção dos EPIs ao longo de sua vida útil. O documento incentiva a auditoria contínua dos equipamentos e treinamentos para conscientizar os trabalhadores sobre o uso correto dos EPIs. Segundo Bottaro, nos últimos anos, houve um aumento significativo na demanda por auditoria de EPIs. “A auditoria é crucial para verificar a conformidade dos EPIs em uso, garantindo que os produtos mantenham os níveis de proteção ao longo do tempo”, ressalta.

O especialista destacou ainda que o Brasil está entre os poucos países capazes de realizar ensaios completos de desempenho e caracterização de EPIs para arco elétrico. O País conta com um laboratório independente para testes de requisitos de proteção térmica de EPI: o LEVe – Laboratório de Ensaios de Vestimentas de Proteção Térmica, do IEE-USP – Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, desenvolvido com apoio da ANP/Petrobras, acreditado pelo Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial e reconhecido pelo ILAC – International Laboratory Accreditation Cooperation, organismo internacional de acreditação de laboratórios. No mundo, só outros dois laboratórios realizam ensaios semelhantes de maneira independente: Kinectrics, no Canadá, e Aitex, na Espanha.

Por : Jucele Reis, da Revista Eletricidade Moderna