Parte 1: Revisando as etapas da análise e gerenciamento de riscos.
Este ano trouxemos vários temas dos EPI para proteção contra efeitos térmicos de arcos elétricos, diferentes tipificações na legislação brasileira e internacional, certificação de produtos e aspectos fundamentais da seleção, uso e cuidados com esses equipamentos, algo que ainda passa por um processo de amadurecimento quanto a normalização no Brasil.
Mas a etapa final, o uso dos EPI, de maneira apropriada e levando em conta seus detalhes para uma proteção efetiva requer muito mais que uma simples entrega ao trabalhador.
O conceito de uso e cuidados, intimamente associados, requer um trabalho muito complexo na maioria das vezes, mas que pode ser simplificado se envolvermos todos os colaboradores em um processo de capacitação.
A capacitação com envolvimento real dos membros de uma organização, por meio de treinamentos com especialistas nos diversos aspectos da análise de risco e desenvolvimento da proteção, eventos de conscientização, acompanhamento de provas de campo, auditorias laboratoriais, entre outros processos que detalharemos em nossos artigos nesse final de ano, pode ser um marco definitivo para a implementação de um programa de EPI com sucesso.
Perigos térmicos e outros efeitos danosos do Arco Elétrico
Quando pensamos nos perigos associados a energia elétrica o tema Efeitos Térmicos de Arcos Elétricos merece um tratamento particular, e a condução da análise de riscos sobre os graves efeitos dos arcos elétricos, como queimaduras, cegueira temporária e outros traumas físicos, oriundos não somente do calor irradiado, mas do que internacionalmente se denomina “Arc Blast”, ou “Explosão de Arco Elétrico” em tradução livre.
A complexidade do processo de análise de riscos dos perigos do arco elétrico levou nas últimas décadas a uma sequência de ações que remetem a um procedimento fundamentado em normas e guias técnicos internacionais [1, 2, 3].
Num aprofundamento das etapas de Análise e Avaliação de Riscos podemos ter, com base no guia internacional IEEE 1584 para análise de energia incidente, a seguinte abordagem do sistema de estimativas.
Análise de riscos e a seleção adequada
Nessa abordagem a Seleção do EPI não se enquadra somente na etapa de Controle de Risco da ISO 31000 (abordada pela NFPA 70E), nem tampouco na etapa de Cálculo da Energia incidente e limites de aproximação da IEEE 1584, ela é mais profunda e começa no Estabelecimento do Contexto do Perigo, ou seja, nos primeiros passos de um profundo Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
Por esse motivo o mercado vem denominando o processo de seleção dos EPI para proteção contra efeitos térmicos de arcos elétricos de Desenvolvimento da Proteção.
A combinação de EPI, a adequação à cada atividade laboral, os outros riscos relacionados, aspectos de conforto e usabilidade, cuidados e armazenamento, dentro diversos outros temas, e na atualidade, de maneira muito contundente, impacto ambiental dos materiais desses EPI, em particular os têxteis, que passam a exigir maior cuidado por parte de fabricantes e usuários.
Um aspecto fundamental da seleção é o uso adequado de cada metodologia de estimativa de energia incidente, envolvendo softwares e simulações, e o princípio fundamental da Seleção sobre o Risco Residual.
Esse tema é particularmente importante pois um Programa de EPI baseado em análise de riscos primária e estimativa simplificada das energias incidentes e distâncias de aproximação pode trazer consequências perigosas de negligência de uso do EPI (normalmente em decorrência de extremo desconforto e usabilidade precária), ou mesmo inviabilizar a execução de uma atividade de maneira segura.
A seleção vem passando por diversos processos de aprimoramento no mundo, no entanto no Brasil não existe ainda uma Norma.
A expectativa de uma orientação um pouco mais clara vem com a possibilidade de termos uma norma ABNT focada em análises e estimativas de energias incidentes e que traz em uma de suas seções esse tema.
Evidentemente não há espaço na norma para detalhamentos mais precisos, mas com o avanço da literatura nacional é possível que novos materiais didáticos e artigos técnicos tragam mais luz ao assunto.
Por fim, uma preocupação crescente nos procedimentos impulsionados por normas regulamentadoras como NR1 e NR10, é a redução, ou mitigação dos riscos baseadas em análise documental sem embasamento técnico-científico, e sem a participação de profissionais envolvidos nas atividades.
A adoção de metodologias que conferem riscos aceitáveis a situações duvidosas é a mais comum, e diversos profissionais prevencionistas vem testemunhando em trabalhos e eventos, como o ESW Brasil, a difusão de práticas inapropriadas nos processos de PGR.
O Papel Fundamental da Capacitação para Uso Adequado do EPI
Um ponto fundamental nos processos de capacitação é deixar claro que mesmo os EPIs mais avançados só oferecem proteção se forem usados corretamente. Neste sentido o processo de capacitação permite que os trabalhadores compreendam como utilizar, verificar, conservar e armazenar seu EPI para arco elétrico, aumentando a eficácia da proteção.
A combinação de itens de vestimentas e outros EPI para proteção do tronco, pernas, pescoço, olhos, cabeça e mãos é algo fundamental em uma capacitação eficaz.
Alguns temas são essenciais na capacitação dos trabalhadores.
Adequação para cada atividade: é fundamental capacitar todos os envolvidos, desde a equipe de segurança até o trabalhador que irá executar as tarefas propriamente ditas, a vestir e encerrar adequadamente cada peça do EPI, incluindo roupas, luvas, capacetes e viseiras, para garantir que o equipamento cubra as áreas críticas de proteção.
Inspeção e Manutenção Regular: Também é um compromisso compartilhado entre todos os envolvidos na empresa, a orientação sobre como inspecionar o EPI para detectar sinais de desgaste, rasgos, ou danos que possam comprometer a proteção, além de instruções de limpeza e armazenamento adequados.
Conscientização: Realizar simulações em cenários realistas (em ambiente controlado) de exposição a arco elétrico, normalmente utilizando manequins e recursos de monitoramento de energia incidente, para conscientizar sobre a importância em nunca negligenciar o EPI.
Mas não fica somente nisso! No próximo mês continuamos a abordar os pontos fundamentais da capacitação profissional no Uso de EPI para Arco Elétrico.
O arquivo para download estará completo e disponível para ser baixado no próximo mês.
Referências
- NFPA 70E: Standard for Electrical Safety in the Workplace. Quincy, MA: National Fire Protection Association, 2021.
- IEEE 1584:2018. IEEE Guide for performing Arc-Flash hazard calculations. IEEE Industry and Applications Society. New York, NY, USA.
- ISO 31000:2009, Risk Management — Principles and Guidelines. International Standard Organization 2009.
- BRASIL – MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA. Portaria nº 3906 de 28 de dezembro de 2023. D.O.U., Publicado em 29/12/2023.
Marcio Bottaro formado em Tecnologia em Saúde pela Faculdade de Tecnologia de Sorocaba (1995), pós-graduação em Engenharia da Qualidade pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1999), Mestrado em Tecnologia Nuclear – Aplicações, pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN) da Universidade de São Paulo (2007) e Doutorado em Tecnologia Nuclear – Aplicações, pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN) da Universidade de São Paulo (2012). Tem experiência nas áreas de Engenharia Elétrica, Automação, Engenharia Biomédica e Física Médica. Atua junto a ABNT CB26 nas áreas de Diagnóstico por Imagem e Dosimetria das Radiações e no CB32 na área de Energias Térmicas provenientes de Arcos Elétricos sendo representante Brasileiro nos TCs/SCs 62B e 78 da IEC.
Foi coordenador técnico do Projeto USP-Petrobras Vestimentas, entre 2013 e 2016, que deu origem ao Laboratório Brasileiro de Arco Elétrico, atualmente único laboratório de arco elétrico para avaliação de EPI da categoria no Hemisfério Sul.
Por Marcio Bottaro em Abracopel