Dúvidas na classificação

A classificação de áreas nos processos industriais é um tópico muito importante para a segurança das instalações e pessoas, e é indispensável na especificação de equipamentos elétricos e eletrônicos (desde a fase de projeto). Nos últimos anos recebeu um maior destaque por ter sido referenciada em Normas Regulamentadoras, como as 10, 20, 33 e outras. Não é de se admirar, portanto, que os responsáveis pelas empresas sujeitas a ocorrências de formação de atmosferas explosivas tenham diversas dúvidas — algumas delas foram abordadas na edição no 411 de EM, e outras são tratadas a seguir.

A classificação de áreas cabe exclusivamente ao engenheiro eletricista?

Não. O engenheiro eletricista precisa conhecê-la para poder especificar corretamente os sistemas e equipamentos elétricos seguros. Como estamos falando de “atmosferas potencialmente explosivas”, não se trata de disciplina incluída no programa de formação dos engenheiros eletricistas. Tal “crença”, provavelmente, tenha sido originada pela expressão “classificação elétrica de áreas” utilizada no século passado por alguns autores americanos. As entidades NFPA e API, que emitiram “práticas recomendadas” (não são “normas”) sobre o tema, não são constituídas por profissionais de eletricidade; e a publicação da “norma” 79-10 pela IEC (entidade cuja missão é facilitar o comércio de produtos elétricos), contribuiu para essa “crença”. Mas, uma rápida leitura do conteúdo das subsequentes edições até a atual 60079-10-1 (traduzida ao pé-da-letra pela ABNT), revela que tal “crença” é totalmente equivocada, uma vez que dispersão de gases não é disciplina constante na formação do engenheiro eletricista.

A classificação de áreas pode ensejar o pagamento de adicional de periculosidade?

Não. O pagamento de adicionais depende das condições de trabalho detalhadas na lei. A classificação de áreas visa informar as regiões onde apenas podem ser utilizados equipamentos certificados para uso seguro, na presença de uma provável atmosfera específica, bem como embasar a elaboração de procedimentos para execução segura de diversos serviços.

A classificação de áreas pode ser simplesmente copiada de outras empresas?

Não. As práticas recomendadas americanas NFPA e API são conhecidas por mostrarem diversas ilustrações contendo distâncias para as áreas classificadas, porém, como alertado em diversas partes do texto, elas não são uma panaceia. Leigos copiam mecanicamente as figuras para aplicá-las em “empresas similares”, resultando em avaliações de risco irreais. Além de terem mais de 60 anos, tais ilustrações não correspondem aos processos industriais atuais, não fornecem informações sobre os produtos e suas condições operacionais, nem sobre os fatores de segurança aplicados na determinação daquelas distâncias. Apenas estudos elaborados com base nas características reais de cada planta industrial são confiáveis.

A classificação de áreas precisa ser atualizada para quaisquer alterações operacionais?

Sim. Além de previsto na NBR IEC 60079-10-1, que nenhuma modificação nos equipamentos ou procedimentos operacionais seja feita sem ser levada ao conhecimento dos responsáveis pela classificação de áreas, apenas documentos atualizados podem oferecer segurança aos trabalhadores, uma vez que o risco envolvido é o de explosão, que pode ter consequências graves.

A classificação de áreas não é obrigatória nem nos EUA, nem no Brasil, apenas na Europa?

Não. Em 1992 o regulamento 29 CFR 1910.119 da OSHA tornou obrigatória a elaboração de análises de riscos de processos, revalidadas a cada cinco anos, e desde então a classificação de áreas é considerada legalmente como parte das informações de segurança dos processos. No Brasil, quando as Normas Regulamentadoras fazem referência a “áreas classificadas” e “risco de explosão”, fica implícita a necessidade da identificação destas regiões, que é obtida nos documentos de classificação de áreas.

A classificação de áreas é obtida por meio de fórmulas?

Sim. Como a área classificada é aquela com a possibilidade de formação de atmosfera explosiva, torna-se necessário considerar a ventilação existente e avaliar sua influência na diluição da massa proveniente de uma fonte de emissão, para então ser determinado o ponto onde o limite inferior de explosividade (LIE) do produto será atingido. Isto definirá a extensão da área classificada, adicionando-se fatores de segurança convenientes. Apesar da IEC 60079-10-1 trazer diversas fórmulas (resultado da “contribuição” do HSE, Inglaterra, que possui um software de simulação), nem os limites de sua aplicação, nem todos os coeficientes necessários, foram fornecidos na “norma”, o que exige capacitação especializada e consulta à literatura técnica adicional para obtenção de resultados corretos. É conhecida a relação do número de Reynolds com a estimativa da área classificada. Por exemplo, um jato com Re = 10.000 promoverá maior diluição, diminuindo o tamanho da nuvem inflamável originalmente estimada diretamente pelas fórmulas da “norma”.

Apenas pessoas certificadas podem classificar áreas?

Não. As redes sociais têm uma abrangência muito grande na divulgação de informações, o que tem permitido aos profissionais postarem, orgulhosamente, seus certificados de competências. O valor da certificação pessoal é que se trata de uma confirmação que o profissional obteve nota acima da mínima na execução das tarefas propostas e dentro do tempo pré-determinado. Em princípio, as empresas esperam que, contratando profissionais certificados, consigam executar os serviços em menor tempo, com menor supervisão e ausência de retrabalhos. Para atenderem tal expectativa, os esquemas de certificação estabelecem critérios para inscrição dos candidatos, como: exame de acuidade visual, escolaridade, tempo de experiência na função, e outros, haja vista sua grande responsabilidade com o mercado. Porém, tem chamado a atenção a postagem de “certificados Ex” por pessoas que não trabalham na função, como: um gerente comercial certificado em todas as “unidades Ex”, um alpinista industrial certificado como “mantenedor Ex”, e até vendedores de equipamentos elétricos, certificados como “classificadores de áreas”. A concessão de “certificados Ex” sem aplicação de provas práticas, ou mesmo a estudantes recém-formados, sem vivência de campo, viola o conceito da “certificação pessoal” e compromete a confiança do mercado no esquema de certificação! No caso de classificação de áreas, o abalo causado por uma política de isenção na comprovação da atividade é ainda maior, porque estamos tratando do risco de explosão, que pode não só acabar com a empresa, mas destruir economias e vidas. Classificação de áreas é um estudo de engenharia que exige, além da habilitação legal, ampla capacitação, incluindo as disciplinas de ventilação, propriedades físico-químicas de produtos, processos industriais, bem como atualização constante através de literatura técnica e participação em seminários. Pelo exposto, as empresas não podem se eximir de analisar tais “certificados de competência Ex” com extremo cuidado, pois, além dos prejuízos materiais resultantes de um acidente, a perícia poderá apontar uma culpa in eligendo.

Estellito Rangel Jr.

Publicado na revista Eletricidade Moderna 566, julho 2022, pg. 60.