O número de instalações elétricas irregulares no Brasil continua sendo alarmante. A falta de conscientização da sociedade sobre a importância do assunto é apontada como a causa principal deste cenário
Por Luciana de Freitas
Consideradas verdadeiras ” bombas relógio” , as instalações elétricas brasileiras são ameaças constantes quando o assunto é segurança. Fios desencapados, emendas e derivações inadequadas, falta de ligação do condutor-terra nas tomadas, entre outras irregularidades, ilustram a realidade da grande maioria das instalações principalmente chamadas autoconstruções ou construções unifamiliares, que representam cerca de 70% do mercado.
Neste cenário altamente crítico, o cidadão constrói ou reforma sua casa por conta própria, (contratando um leigo), e nisso inclui-se um arquiteto, decorador ou empreiteiro, que arrebanham eletricistas para trabalharem na obra, o que faz com ela fique sem um responsável técnico, e amplia em muito o grau de periculosidade envolvendo choques elétricos e incêndios.
Obras referentes a instalações correspondem, em média, a 15% dos custos da obra, e no planejamento físico, as instalações pertencem ao grupo do serviços que determinam o caminho crítico da obra: portanto, a responsabilidade do instalador é enorme para o sucesso da construção.
José Silvio Valdiserra, engenheiro civil e presidente do Sindicato da Industria da Instalação do Estado de São Paulo (Sindinstalação) explica que quando o proprietário da obra contrata o serviço de instalações analisando todos os aspectos (preço, qualidade, segurança financeira, responsabilidade técnica), o padrão de qualidade da execução das instalações é excelente, porém se o contratante somente visa preço e despreza as outras variáveis, a tendência é a deterioração da execução. ” Quando o contratante só analisa o preço, invariavelmente as boas técnicas são deixadas de lado e os materiais aplicados são de origem duvidosa”, afirma.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada ano, são inaugurados cerca de 1,7 milhão de domicílios, desse total, 35% apartamentos e 65% casas. Dos apartamentos, 12% são obras governamentais e 23% estão relacionados a construtoras.
Atualmente, há um índice de 40% de reformas no País, seja em casas ou apartamentos, e a instalação elétrica acaba sendo incluída – ainda que não sejam levados em conta todos os aspectos importantes .
No âmbito formal do mercado, isto é, quando há uma construtora sustentando o empreendimento, existe a contratação de um projeto de instalação elétrica feita por um profissional. ” Quando se trata de construções industrializadas, isto é, prédios e condomínios, as construtoras são submetidas obrigatoriamente a uma série de documentações e entre elas, está o projeto elétrico ”, conta Edson Martinho, engenheiro eletricista e diretor executivo da ABRACOPEL, cuja missão é conscientizar por meio da informação e formação de profissionais, toda a população brasileira para os perigos que a eletricidade, quando mal utilizada, pode causar.
Neste sentido, nas últimas décadas, houve uma evolução significativa na segurança das instalações, a começar pelo início dos trabalhos mediante a elaboração de um projeto. As obras formais, incluindo o ” boom ” da construção civil, além de uma série de lançamentos de apartamentos, conjuntos habitacionais e condomínios, são executadas mediante um projeto específico, que felizmente, na maioria dos casos é elaborado por um profissional legalmente habilitado.
” Quando analisamos as construções industrializadas, podemos afirmar que nos últimos sete anos, houve o cumprimento de pelo menos cerca de 80% da NBR 5410 – norma que rege as instalações elétricas de baixa tensão. No entanto, quando traçamos um panorama das principais capitais, em uma amostra de 500 edifícios, constatamos que a situação é caótica e que de fato não há preocupação em readequar as instalações elétricas ”. revela Milena Guirão Pardo, gerente de marketing do Procobre e coordenadora do Programa Casa Segura – projeto de conscientização e orientação sobre os riscos de acidentes causados por instalações no consumo excessivo de energia, na desvalorização das edificações e na segurança dos imóveis.
Ainda segundo Milena, com relação a edifícios, percebe-se que há uma preocupação maior dos síndicos em investir na segurança das pessoas. Na amostra de 500 edifícios realizada pelo Programa Casa Segura, foi verificado que cerca de 40% dos síndicos, dependendo da cidade, quando descobrem a existência de algum problema, tomam uma atitude por terem uma responsabilidade civil envolvida.
Ações como esta contribuem para que as chances de o empreendimento resultar em boa qualidade sejam maiores, uma vez que a instalação elétrica atende o mínimo exigido pelas normas e pela legislação vigente.
No entanto, um dos problemas existentes está relacionado a execução das instalações elétricas, etapa que tem apresentado certa variação. Mesmo que o projeto seja elaborado por profissionais habilitados, es execuções nem sempre são. Geralmente, se contratada um empresa instaladora registrada no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), a qual atesta que o profissional está legalmente habilitado, não costuma haver problemas, e a probabilidade de a instalação ser segura é grande.
Sem dúvida, essa readequação é de extrema importância para atender a demanda de energia hoje solicitada dentro de uma residência ou apartamento. ” Há muito o que ser feito no mercado o que ser feito no mercado informal. Não adianta fecharmos os olhos para uma situação que é realidade no nosso País. Estamos trabalhando no âmbito formal, mas sabemos que a informalidade é muito maior ”, atesta Paulo Barreto, engenheiro eletricista e diretor técnico da Barrreto Engenharia Ltda., empresa especializada em consultoria, projetos, treinamentos e pericia na área de instalações elétricas.
O problema esta no fato de empreendimentos que mesmo executados por construtoras não oferecem a devida segurança considerando pode não contratar uma instaladora. ” Ás vezes, a construtora possui uma equipe própria de encanadores, eletricistas, azulejistas, pedreiros, e submete todos ao mesmo nível. Neste caso, a execução nem sempre estará sob supervisão de um profissional legalmente habilitado ficando na mão do dirigente da obra”, explica Barreto.
Quando se trata de aspectos organizacionais a primeira ” anomalia ” que ocorre, é a inexistência de projeto o que trinam grandes riscos.
” Em outros casos, o projeto pode ate existir, mas normalmente e e autoria de leigos, isto é, projetistas de carreira que atuam em escritórios de engenharia, sem formação técnica, que passam a oferecer este tipo de serviço por contra própria ”, destaca Barreto.
Outra falha que ocorre na grande maioria das obras é alteração de projeto sem consulta ao projetista, o que também pode incorrerem riscos na instalação, uma vez que o projeto ja traçado estabeleceu uma série de critérios s serem seguidos.
” A pessoa que não participou do projeto não conhece as premissas, as considerações, os fatores técnicos, a especificação de material, a dimensão de um cabo, a mudança de um trajeto ou eletroduto para bandeja ou vice-versa. Isso tem implicações na instalação e precisa ser averiguado”, esclarece engenheiro.
Mas os entraves não param por aí. No âmbito técnico, os problemas são ainda maiores, pois resultam em prejuízos materiais e humanos ocasionando mortes por choque elétrico ou incêndio por origem elétrica. Algumas da principais anomalias encontradas são : inexistência de sistemas de aterramento e do condutor de proteção, ou presença de condutor de proteção inadequado, ausência de coordenação entre condutores e dispositivos de proteção, contribuindo para ocorrência de sobrecargas e curto circuitos, sem atuação dos devidos protetores e componentes co grau de proteção (IP) inadequado.
De acordo com Eduardo Daniel, engenheiro eletricista e superintendente da Certiel Brasil, de maneira geral, a primeira irregularidade encontrada são problemas de instalação propriamente ditos. ” Temos visto alguns problemas de instalação em conexões, a utilização incorreta de condutores, principalmente em pontos especiais nos quais a NBR 5410 determina o uso de condutores elétricos de baixa emissão de fumaça e com ausência de halogênio, entre outras falhas ”, afirma.
Outra problemática tipica é a falta de ligação do condutor-terra nas tomadas que possuem o terceiro orifício , o que macara o perigo real da instalação. ” Se observada por fora, são vistos os três furos, o que aparentemente indica que a tomada oferece segurança, mo entanto, quando se desmonta ou se faz o ensaio no produto, constata-se que o condutor de proteção da instalação – se é que existia – não estava conectado à tomada , o que quer dizer que o terceiro furo não tinha utilidade”, manifesta Eduardo Daniel.
Em edifícios, é exigido o uso de condutores com baixa emissão de fumaça, que nem sempre são usados, por exemplo, em ligações internas de luminárias, um ponto exigido pela norma. Lamentavelmente, muitas vezes, o produto especificado não é o instalado.
Em diagnósticos feitos em instalações pré-existentes, a situação mais preocupante é a ausência de aterramento em praticamente 90% dos edifícios, o que revela que a probabilidade de um choque elétrico é muito grande,, ao passo que praticamente 90% das novas instalações possuem o fio-terra nas grandes capitais. ” Quando nos voltamos ao mercado ‘ ‘ ‘ formiguinha ‘ , isto é, às casas, sabemos que a aplicação ainda é muito baixa. Por isso, a nossa maior preocupação é atingir o consumidor final, e o grande influenciador para isso é o eletricista, pois é ele quem o acompanha e pode alertá-lo sobre a importância da readequação das instalações”, declara Milena.
Além disso, a segunda grande construção é que 85% desses edifícios têm problemas de para-raios, que não funcionam adequadamente , fato inadmissível em um país como o Brasil, que apresenta altos níveis de descargas.
Muitas instalações antigas estão obsoletas e demandam urgentemente um retrofit. ” Diversas instalações foram feitas em épocas passadas de modo correto, mas agora, partem para a obsolência de uma maneira natural , pois a carga que deve atendida hoje já não está adequada à capacidade da instalação ”’, justifica Daniel.
Nos últimos anos, houve um aumento significativo do uso de aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos, e hoje são consumidas seis vezes mais energia em comparação com 30 anos atrás. O problema é que as instalações elétricas continuam precárias, sem que haja uma mudança, provocando a degradação da instalação, incluindo o envelhecimento de componentes, aparecimento de falhas e aquecimento de condutores. ” Constatamos que pelo menos 60% dos edifícios apresentavam superaquecimento, o que demonstra que é preciso redimensionar a instalação e fazer novos circuitos para atender a carga da instalação ”, orienta Milena.
A manutenção é outra vertente em estado crítico, pois comumente é feita de maneira incorreta. Para exemplificar pensemos em uma instalação com um disjuntor de 25A, aplicado para proteger o aumento da demanda, o que faz com que o disjuntor se abra quando a carga ultrapassa o que ele suporta.
Eduardo Daniel enfatiza que quando um disjuntor é substituído por outro considerado mais potente – com a capacidade de abertura maior – significa que não se está mais protegendo a instalação. Um problema é resolvido ( o disjuntor não abre mais ), mas começa a aquecer os condutores, podendo derreter a isolação e gerar curto circuitos e incêndios ”, argumenta.
Mesmo diante da evolução da qualidade dos produtos, ainda são encontrados diversos problemas críticos que comprometem a segurança, principalmente no que se refere a aterramento e outros itens de segurança contra choques. Em grande partes dos casos, a qualidade da energia chega de forma apropriada ao equipamento, contudo, muitas vezes, a instalação deixa a desejar no que se diz respeito à segurança do usuário.
Outro erro que costuma ser cometido é o fato de que muitos indivíduos montam seus próprios quadros de distribuição, com a finalidade de baixar custos e promover soluções caseiras.
O quadro muitas vezes não tem o espaço adequado para a instalação de equipamentos reserva, não há a infraestrutura de fixação dos componentes de maneira adequada e diversas vezes não são utilizados barramentos na conexão interna. ” Em alguns casos, a própria instaladora compra o cabo, faz um rabicho de cerca de três metros na instalação e interliga a rede (a parte fixa da instalação) com a luminária. Assim sendo, sabemos que deve ser usado o cabo com baixa emissão de fumaça,mas muitas vezes o instalador compra um outro cabo e orienta sua instalação em algum ponto”, relata Daniel.
A composição de todos estes fatores acarreta a falta de segurança de usuários e instalações, infelizmente, a cultura do cidadão brasileiro se baseia em não realizar a manutenção da instalação elétrica de forma rotineira, mas toma providências apenas quando surgem problemas. Em outras palavras, a sociedade (no âmbito casas) opta pela manutenção corretiva e não pela preventiva.
” No caso do mercado corporativo, envolvendo locais onde há uma dinâmica de cargas maior e mais frequente, talvez as instalações elétricas ganhem um pouco de mais atenção, mas mesmo assim, ainda muito a desejar ”, lamenta Daniel.
Para sanar os problemas, a verificação prescrita pelo capítulo 7 da NBR 5410, seria um divisor de águas no setor. Infelizmente , não é feita essa verificação final e muito menos de maneira periódica, o que dificulta muito a garantia da boa qualidade das instalações. ” Ainda nem conseguimos sensibilizar as autoridades sobre a importância desse assunto, elas sabem, mas fingem que não conhecem. Essa seria uma ação interessante, a exemplo do que é feito em outros países ”, sugere Daniel. E complementa sua opinião ao acrescentar que o ” Brasil possui normas adequadas para tudo. Em relação ao que prescrevem as normas, não estamos devendo nada para qualquer norma internacional. O problema maior é o não cumprimento delas e a ausência de verificação final ”.
ELEMENTOS DE SEGURANÇA
Para garantir a segurança, a instalação deve estar equipada com todos os itens necessários, o que por diversas vezes não acontece e construções informais. Por outro lado, praticamente 100 % das novas construções já utilizam os principais elementos de segurança, uma vez que seguem a norma. O prolema persiste nas autoconstruções, pois ainda falta uma conscientização e conhecimento por parte dos usuários das instalações. Eduardo Daniel explica que se tratando de novas instalações, o uso do dispositivo DR, por exemplo, atualmente está muito mais comum do que antes. ” Ainda está longe de ser 100%, mas é muito mais utilizado do que há cinco anos atrás ”, recorda.
Muitos consideram o DR como um ” dedo-duro ”, por sua função de detectar correntes de fuga geradas por qualquer instalação elétrica mal feita. ” O problema está em instalar equipamentos antigos, como geladeiras, chuveiros, entre outros, por isso gera o desarme do DR, que é instantâneo, garantindo a segurança da pessoa que estiver no local ” saliente Martinho.
Grande parcela da população nem sequer conhece o dispositivo muito menos sua utilidade. ”Acredito que este teria de ser um trabalho desenvolvido pelas próprias industrias fabricantes deste produto, no sentido de esclarecer as informações ao morador da casa, que às vezes não sabe olhar para sua caixa de distribuição e identificar todos os materiais ali instalados ” , orienta Milena Prado.
O condutor de proteção ganhou mais repercussão por conta dos equipamentos eletrônicos (computadores basicamente), porém, seu uso continua tímido.
Outro elemento compulsório é o dispositivo de proteção contra surtos (DPS), o qual também ainda não é aplicado como deveria. A norma exige sua utilização, mas ele não protege o usuário, e sim, os equipamentos contra queimas. ”’Com a vida ninguém se preocupa, mas com o equipamento, sim”, observa Martinho.
Além disso, hoje são encontradas muitas instalações com condutor de proteção (fio-terra); porém, quando o assunto é sistema de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA) ainda são requeridas mesmo existindo uma legislação nacional para isso.
” O SPDA está deixando muito a desejar, justamente por que é um elemento pouco visto na instalação funciona bem sem ele, uma vez que só é usado em casos de emergência ”, afirma Eduardo Daniel.
Por legislação, é exigida a verificação da inspeção do SPDA a cada cinco anos. Daniel garante que em muitos dos casos verificados, o equipamento está em condições inadequadas, inclusive em edifícios famosos em São Paulo, até mesmo com certificação LEED. O usuário começa a perceber a necessidade do SPDA quando os problemas surgem nos equipamentos. ” Não adianta haver uma legislação se não tiver quem verifique, se não vira ‘canetada’. E este é o nosso temor em relação à certificação das instalações, pois se assim acontecer, nada será agregado à segurança”, expressa.
Sistemas de aterramento interno também são pouco representativos, mas sua frequência tem aumentado por conta do uso de computadores. Milena Prado afirma que uma pesquisa feita pelo Programa Casa Segura, no final de 2010, com 300 residência, apontou que em 30% delas é utilizado o fio-terra, quando há a atuação de um empreiteiro na obra. ” Este índice ainda é consideravelmente baixo, mas muito melhor do que há 10 anos, que era zero”, profere. Dentro da instalação, os gastos com aterramento representam de 10% a 15%, sendo que 10% do valor da instalação elétrica significa 0,5% do custo da obra.
(Continua)