Atentas às constantes atualizações nas normas que tratam sobre o tema, empresas do segmento elétrico estão reforçando procedimentos para garantir integridade dos colaboradores em campo
Diante do aumento da complexidade das instalações elétricas, impulsionado por inovações tecnológicas e o crescimento da demanda por eletricidade, a segurança no trabalho para os profissionais do setor tornou-se uma prioridade crescente nas empresas do segmento. Atentas às constantes atualizações das normas que tratam do tema, as companhias estão cada vez mais preocupadas com a segurança e integridade dos seus colaboradores, principalmente daqueles que atuam em áreas de alta complexidade e de maior risco de exposição a acidentes envolvendo eletricidade.
Além da realização de treinamentos contínuos, elaboração de manuais de segurança e de planos de comunicação para difusão dessas regras e procedimentos de segurança, as grandes empresas do setor, em especial do ramo de distribuição, vêm adotando práticas inovadoras, como por exemplo, o monitoramento integral dos profissionais de campo por meio de câmeras corporais e outros dispositivos eletrônicos, que oferecem meios de prevenção a acidentes de trabalho envolvendo esses profissionais.
“Estamos implementando um sistema de monitoramento que inclui câmeras 24 horas acompanhando a equipe em atividade. Muitas empresas já têm adotado essa prática, e já está implantado em algumas unidades da energia. Com esse sistema, é possível designar um chefe de operação para supervisionar as atividades, embora isso apresente desafios. O monitoramento permite um acompanhamento mais eficaz das atividades em campo, promovendo uma relação humana mais próxima entre líderes e suas equipes”, explica o coordenador de segurança e saúde da Energisa Mato Grosso, Heitor Galdino.
Atuando há mais de 15 anos no segmento, o profissional, que já passou por companhias como a Energisa Paraíba e Supergasbras Distribuidora de Gás, é testemunha da transformação acelerada que vem ocorrendo no campo da segurança do trabalho no universo do setor elétrico. “Quando entrei em 2007, era basicamente uma distribuição de equipamentos de proteção, como capacetes e cintos. A segurança era vista de forma limitada e muitas vezes manual. Nos últimos anos, houve uma transformação significativa na forma como encaramos a segurança no trabalho. Anteriormente, o foco estava apenas nos EPI’s, enquanto hoje, a segurança é uma responsabilidade integrada à gestão da equipe”, explica Galdino.
Qualificação de mão de obra – No entanto, o Galdino ressalta que, apesar dos avanços, um dos maiores desafios continua sendo a qualificação da mão de obra. “O grande desafio é a qualidade da mão de obra, muitas vezes, os colaboradores possuem os certificados, mas não internalizam o conhecimento de forma prática. Isso se deve a diversos fatores, como a falta de tempo para treinamentos práticos, a rotatividade de pessoal e a dificuldade em encontrar profissionais com a qualificação necessária. Além disso, a desvalorização do conhecimento técnico e a falta de incentivos para a qualificação contínua também contribuem para esse problema”, completa.
Por outro ponto de vista, o engenheiro da Schneider Electric, Luiz Carlos Catelani Júnior, entende que as adequações das redes elétricas aos avanços tecnológicos representam o maior gargalo em termos de segurança no setor elétrico. “Atualmente, o maior desafio para as normas de segurança é conciliar essas práticas com a inovação tecnológica e com o aumento de potência das instalações.
Cada vez mais a energia elétrica vem crescendo o seu uso e as instalações se tornam maiores. Isso implica diretamente em maiores níveis de tensão de trabalho, maiores correntes de curto-circuito e consequentemente aumenta o risco elétrico”, contrapõe Catelani.
IMPACTOS DA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA NA SEGURANÇA DO TRABALHO
Em 2023, o Brasil atingiu a marca de 23 gigawatts (GW) com a Geração Distribuída (GD). Deste total, a energia solar representa mais de 98% do total em GD, que inclui ainda a eólica, a biomassa e outros tipos de energia. De acordo com a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), o país se posiciona entre os dez maiores produtores de energia solar do mundo.
A expansão deste segmento na composição da matriz elétrica brasileira, embora seja positiva do ponto de vista da diversificação de fontes, em especial, das renováveis, traz como consequência a necessidade de atualização das práticas de segurança do trabalho dos engenheiros eletricistas e dos técnicos que atuam na manutenção e construção desses sistemas.
“A mudança da matriz elétrica e energética do país, com geração solar e carros elétricos, por exemplo, também introduz uma variante adicional, que são circuitos em corrente contínua, em níveis elevados de tensão (acima 150 Vcc), que é o limiar para choque elétrico. Também o uso de eletrônica de potência como: inversores de frequência, fontes chaveadas e outros circuitos que não trabalham com a frequência da rede (50Hz ou 60Hz), alteram os limiares de proteção para choque elétrico e os critérios de dimensionamento de equipamentos. Enfim, toda essa evolução tecnológica deve ser acrescida nos planos de gerenciamento de risco”, conclui Catelani.
Arco elétrico – Em 2016, a Universidade de São Paulo desenvolveu o primeiro e único Laboratório de Vestimentas do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP no hemisfério sul, voltado à certificação de materiais de segurança. Márcio Bottaro, engenheiro eletricista e coordenador técnico da criação do laboratório, destaca que essa conquista representou um avanço crucial para a segurança no setor elétrico.
“Alavancou nossa participação internacional no tema, e deu suporte e amparo ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para que pudéssemos evoluir nesse cenário. Temos, desde dezembro de 2023, um sistema de certificação de vestimentas de proteção térmica sob gestão do Ministério do Trabalho, que avançará em breve nos EPI’s para proteção ocular, facial e da cabeça, nesse segmento”, explica Bottaro.
Ainda em dezembro de 2023, o MTE anunciou a portaria para EPI’s relacionados à NR-6, que estabelece um sistema de certificação de vestimentas de proteção térmica. Embora o texto seja bastante robusto, segundo Bottaro, alguns equipamentos não foram incluídos na regulamentação, resultando em um vácuo na NR-6. “Ainda temos EPI’s que não são tipificados pela NR-6 e pelas Portarias Ministeriais, e temos trabalhado no ABNT CB32 para que isso possa ser reavaliado em nossa legislação e possamos ter outros equipamentos de proteção individual essenciais incluídos em nosso conjunto de EPI’s para proteção térmica”, defende o especialista. Os equipamentos não tipificados na regulamentação mencionada por Bottaro incluem: luvas com isolamento térmico, equipamentos para trabalho em altura com proteção térmica, vestimentas impermeáveis contra arcos elétricos e óculos de ampla visão (como óculos de aviador ou goggles).
Dada a alta complexidade e os riscos de arco elétrico enfrentados por profissionais do setor elétrico, o engenheiro da USP destaca a importância da padronização das vestimentas projetadas para proteção desses profissionais. “A tecnologia empregada nos tecidos de proteção térmica podem fazer a diferença. O mesmo pode-se dizer dos demais materiais de proteção das mãos, olhos, face e cabeça. O importante é caracterizar e comprovar a eficácia de proteção térmica desses materiais em laboratórios padronizados, acreditados e independentes. O Brasil figura entre os quatro laboratórios mundiais independentes que podem realizar esses ensaios”, ressalta.
Manutenção preventiva – Além dos IPIs, dos treinamentos e da atenção redobrada à atualização das normas de segurança do trabalho do setor elétrico, a manutenção preventiva nos equipamentos, instalações e condutores elétricos, é fundamental, tanto em baixa, média e alta tensão. De acordo com o gerente de engenharia de produtos da Sil Fios e Cabos Elétricos, Nelson Volyk, para garantir a segurança, recomenda-se a atenção aos sinais de sobrecarga elétrica e às manutenções e revisões periódicas dessas instalações.
“Alguns dos principais sinais de alerta são os disjuntores desarmando frequentemente. Além disso, existem outros sinais que indicam sobrecarga no circuito, como por exemplo o aquecimento de tomadas e interruptores. Também podem ocorrer quedas de energia localizadas, que é percebido quando as luzes piscam, ou cheiro de queimado ou faíscas, que são sinais críticos de que algo está errado e nunca devem ser ignorados. Casos assim, exigem uma inspeção urgente, pois há risco de incêndio”, explica Volyk, que reforça ainda a importância da revisão e substituição de cabos antigos e ressecados, que em geral, são os grandes vilões das instalações elétricas.
Para alertar sobre esses riscos, e atuar na prevenção de potenciais acidentes, a Sil vem investindo continuamente na disponibilização de treinamentos e qualificações para os profissionais do segmento. “Mensalmente, realizamos palestras, workshops e cursos em várias regiões do Brasil, levando informações, instruções e orientações técnicas para profissionais desse segmentos. Sem contar em parcerias com instituições, como SENAI, que visa incentivar a mão de obra e a qualificação dos profissionais da construção civil, em especial, que trabalham com instalações elétricas”, afirma Volyk, que chama a atenção para a importância da aplicação da NBR-5410, que trata da manutenção das instalações elétricas.
NORMAS X SEGURANÇA DO TRABALHO
No setor elétrico, a presença de normas é fundamental para garantir segurança, eficiência e padrões de qualidade. Além das normas de segurança, essenciais para proteger os trabalhadores, consumidores e o público em geral contra riscos elétricos, também existe um arcabouço de regulamentações que vão desde a instalação até a manutenção de equipamentos elétricos, garantindo que haja segurança de operação. “Atualmente, a segurança no trabalho da engenharia elétrica é uma prioridade contínua, com normas técnicas sendo constantemente atualizadas para refletir as mudanças nas tecnologias e práticas. A ABEE-SP desempenha um papel essencial nesse processo, atuando junto com grupos de trabalho da ABNT para garantir que a segurança e o desenvolvimento profissional estejam sempre em primeiro plano”, pontua o presidente da Associação de Engenheiros Elétricos de São Paulo (ABEE-SP), Auro Doyle Sampaio. No Brasil, o conjunto de normas que regem o setor elétrico são divididas em quatro grandes grupos:
1 – NORMAS DE GESTÃO E RESPONSABILIDADE – Abordam questões relacionadas à operação eficiente e segura do setor elétrico. Elas asseguram que os processos de fornecimento de energia elétrica sejam realizados com qualidade:
NR 10 – Estabelece diretrizes e requisitos para garantir a segurança em instalações e serviços de eletricidade.
NBR ISO 9001 (GESTÃO DE QUALIDADE) – Estabelece os critérios para sistemas de gestão de qualidade no setor elétrico.
NBR ISO 14001 (GESTÃO AMBIENTAL) – Define as empresas do setor elétrico a gerenciar o impacto ambiental de suas atividades.
NBR ISO 45001 (GESTÃO DE SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL) – Estabelece um sistema de gestão de segurança no trabalho.
NBR ISO 55001 – Trata da gestão de ativos físicos, como redes de distribuição, usinas e subestações.
2 – NORMAS TÉCNICAS – Definem as configurações das instalações elétricas, atendendo os requisitos técnicos e de segurança. Elas
estabelecem o que pode ou não ser feito em diferentes tipos de instalações:
NBR 5410 – Instalações elétricas em baixa tensão
NBR 14039 – Instalações elétricas em média tensão
NBR 5419 – Proteção contra descargas atmosféricas
NBR 13570 – Instalações elétricas com afluência de público
NBR 13534 – Instalações elétricas em baixa tensão para ambientes de saúde
NBR 15749 – Medição de resistência de aterramento e de potenciais na superfície do solo em sistemas de aterramento
NBR 15751 – Sistemas de aterramento de subestações
3 – NORMAS DE SEGURANÇA – Descrevem as práticas e recomendações para implementar as medidas de controle, o gerenciamento de risco e os métodos para segurança da área elétrica:
NBR 16384 – SEGURANÇA EM ELETRICIDADE — Recomendações e orientações para trabalho seguro em serviços com eletricidade
NFPA 70E – Standard for Electrical Safety in the Workplace
NESC C2 – National Electrical Safety Code
OSHA 1910-269 – Electric power generation, transmission, and distribution
4 – NORMAS DE PRODUTO – Determina normas técnicas que regulam a fabricação, a qualidade e a segurança de produtos como disjuntores, cabos, transformadores e outros equipamentos elétricos.
NBR IEC 60947-2: Estabelece os requisitos para disjuntores de baixa tensão utilizados em instalações elétricas.
NBR IEC 60898-1: Requisitos para disjuntores de baixa tensão usados para proteção contra sobrecorrente em instalações domésticas e similares.
NBR IEC 62271-100: Trata de disjuntores para corrente alternada (CA) em sistemas de média e alta tensão NBR IEC 60056: Aplica-se a disjuntores de alta tensão para sistemas elétricos em corrente alternada, com detalhes sobre ensaios de funcionamento e padrões de segurança.
NBR 14039: Estabelece as condições de uso de seccionadoras e disjuntores-seccionadores em instalações elétricas de média tensão.
NBR IEC 62271-102: Especifica os requisitos de projeto e desempenho de chaves seccionadoras e disjuntores-seccionadores usados em sistemas de alta tensão.
NBR 5356: Trata das especificações para transformadores de potência, abordando características elétricas, requisitos de isolamento, entre outros aspectos.
NBR 10295: Define as diretrizes para transformadores de potência a óleo, principalmente voltados para instalação externa, especificando parâmetros como potência, perdas e regulação.
NBR 7286: Estabelece os requisitos para cabos de baixa tensão isolados em PVC ou EPR, usados em instalações elétricas residenciais, comerciais e industriais.
NBR 6251: Define os requisitos para cabos de média tensão com isolação de borracha, que são amplamente utilizados em sistemas de distribuição de energia.
NBR 6880: Específica condutores elétricos nus para linhas aéreas de transmissão e distribuição de energia elétrica.
NBR IEC 61439: Trata de conjuntos de manobra e controle de baixa tensão, incluindo painéis de distribuição, com critérios de segurança, ensaios de conformidade e requisitos de instalação.
NBR IEC 62271-200: Define os requisitos para painéis de média tensão, abordando aspectos como segurança, capacidade de interrupção e ensaios de funcionamento.
NBR IEC 60068: Específica ensaios ambientais para produtos e componentes elétricos, como disjuntores e transformadores, verificando sua resistência a condições como umidade, temperatura e vibrações.
NBR IEC 60947-3: Estabelece os requisitos para chaves seccionadoras e comutadoras de baixa tensão, com detalhes sobre ensaios de funcionamento e segurança.
NBR 9326: Define os requisitos para parafusos e conectores usados em equipamentos elétricos, garantindo que os materiais e a fabricação sejam adequados para suportar cargas elétricas e mecânicas.
NBR IEC 61643-1: Especifica os requisitos para dispositivos de proteção contra surtos (DPS) usados em sistemas de baixa tensão, garantindo que protejam contra picos de tensão.
NBR NM 61008: Estabelece requisitos para disjuntores diferenciais residuais (DR) usados em circuitos elétricos de baixa tensão para proteção contra choques elétricos e incêndios.
GERENCIAMENTO DE RISCO
A hierarquia das medidas de controle é um princípio fundamental nas normas de segurança e gerenciamento de risco no setor elétrico. Essa hierarquia estabelece uma ordem de prioridade
para a implementação de medidas que visam reduzir ou eliminar riscos no ambiente de trabalho.
Eliminação de risco: A primeira conduta significa remover completamente a fonte de perigo, como desativar uma instalação elétrica obsoleta ou desnecessária.
Substituição: Se a eliminação não for possível, a alternativa é a substituição por um sistema ou método menos perigoso. Por exemplo, substituir equipamentos antigos por versões mais seguras e eficientes.
Controles de Engenharia: Se o risco persistir, devem ser implementados controles de engenharia. Essas medidas incluem mudanças estruturais ou de design para minimizar o risco. Isso pode incluir a instalação de barreiras, sistemas de desenergização ou dispositivos de segurança.
Controles Administrativos: Em seguida, as medidas administrativas são tomadas para regulamentar o trabalho e garantir que o engenheiro eletricista trabalhará de maneira adequada.
Equipamentos de Proteção Individual (EPI): Por último, os EPI’s são considerados uma medida importante de proteção do engenheiro eletricista. Sua eficácia depende das medidas anteriores.
“O que devemos mudar no nosso conceito é trabalhar prioritariamente os quesitos relacionados aos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC), visando o atendimento das normas técnicas e de segurança. Após esgotar esse recurso, passa-se para os EPI’s, que são a última fronteira, quando nada mais pode ser feito. Atualmente, a gama de EPI’s é muito grande “, defende Luiz Carlos Catelani Júnior, engenheiro da Schneider Electric.
Implicações legais – No Brasil, as normas que regem o universo elétrico são formuladas e reguladas por várias instituições, dentre elas a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, Agência Nacional de Energia Elétrica- ANEEL e MTE, o que confere a elas força de lei, embora não sejam legislações propriamente ditas. No caso das Normas Regulamentadoras, o descumprimento de seus requisitos pode resultar em infrações que geram ações imediatas. O não cumprimento das normas técnicas e de segurança podem acarretar em notificações, multas e/ou embargos e interdições, dependendo da gravidade da ocorrência.
Caso o não atendimento aos requisitos técnicos e de segurança gerem danos pessoais ou materiais, processos de ordem civil e criminal poderão ser instaurados. No âmbito financeiro, o não atendimento das normas técnicas se traduz em perdas na instalação, falta de continuidade de serviço, efeitos térmicos, mal funcionamento e queima de equipamentos.
Por Mateus de Paula, Revista Setor Elétrico, Ed. 206, outubro de 2024