Ricardo Pereira de Mattos*
Desde a publicação do novo texto da NR-10, por intermédio da Portaria 598/04, do Ministério do Trabalho e Emprego, aumentou de forma espetacular o interesse sobre a segurança em instalações e serviços com eletricidade. Em baixa ou alta tensão, a energia elétrica está presente na vida e trabalho de todos nós e perceber os riscos associados à sua utilização é fundamental para a construção de ambientes mais seguros.
As estatísticas oficiais não apresentam informações detalhadas sobre os acidentes relacionados direta ou indiretamente com o contato ou proximidade de circuitos elétricos. Porém, os relatos das empresas, dos jornais e alguns estudos específicos servem-nos como alertas para a adoção de medidas urgentes para proteção dos trabalhadores e da população como um todo.
Uma das referências mais consultadas quando se deseja obter informações estatísticas sobre acidentes do trabalho com eletricidade no Brasil, é o relatório anual produzido pela Fundação COGE, ou Funcoge. Essa fundação, mantida pela Eletrobras e pelas empresas do setor elétrico nacional tem diversos comitês de trabalho na área de energia elétrica e um deles, o Comitê de Segurança e Saúde no Trabalho, desenvolve, entre outras atividades, uma estatística anual de acidentes no Setor de Energia Elétrica. Um dos destaques da pesquisa é apresentar não apenas os números totais, mas a sua estratificação, classificação e descrição dos acidentes, tanto aqueles que ocorrem com os empregados das empresas, com as empresas prestadoras de serviço (empreiteiras terceirizadas) ou com a população em geral, que também entra em contato com a rede pública de energia. Para ilustrar a importância desse trabalho, a estatística mais recente, indica a ocorrência de mais de 400 acidentes fatais em um mesmo ano. Esta quantidade assustadora, aliás, vem se repetindo, em média, nos últimos anos. É incrível observar que a maioria desses acidentes ocorre com a população, isto é, com pessoas que não trabalham no setor mas que fazem contato com a rede elétrica em atividades de construção civil, instalação de antenas, serviços de telefonia, entre outras causas não vinculadas ao trabalho como é o caso de pipas (papagaios), furto, e contato com cabos energizados caídos no chão. Podemos concluir, que a eletricidade, além de ser a fonte da lesão em instalações específicas, canteiros de obra e frentes de trabalho, merece campanhas permanentes para alertar a população quanto à necessária distância das redes elétricas.
Outra estatística muito preocupante foi apresentada há pouco tempo em algumas revistas especializadas. O referido trabalho, coordenado pelo Laboratório de Segurança e Higiene do Trabalho da Universidade Federal de Pernambuco, tratou de acidentes domésticos com eletricidade no Estado. Obtendo informações com a Secretaria de Saúde pernambucana, os pesquisadores encontraram, em um levantamento de 5 anos, uma média anual superior a 120 óbitos em residências ocasionados por choque elétrico. É a evidência inquestionável tanto das péssimas condições de segurança das instalações elétricas prediais quanto do desconhecimento da população sobre o real perigo dessa energia escondida em equipamentos, tomadas e interruptores.
Aliás, saindo de Pernambuco para São Paulo, um grande levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro do Cobre – Procobre – demonstrou, em números, que a maioria absoluta das edificações paulistanas não dispunham das medidas básicas de segurança em suas instalações, tais como sistemas de aterramento eficazes, proteção contra choque elétrico ou registros de manutenção preventiva. Por conta disso, foi criado um Programa intitulado “Casa Segura” para estimular intervenções nas instalações elétricas prediais.
Essa evidente precariedade das instalações elétricas prediais e industriais, também se manifesta quando pesquisamos sobre a causa de incêndios em edificações. É comum aceitarmos como certo quando os jornais divulgam, antes mesmo do laudo pericial, que “a origem do incêndio foi um curto-circuito nas instalações elétricas”. É uma causa tão comum, cujos exemplos são inúmeros, que sequer precisamos aguardar muito tempo para que se constate aquilo que foi previsto pelos jornalistas, a partir de entrevistas de especialistas e depoimentos de usuários daquela edificação atingida. Desde o incêndio do edifício Joelma, em São Paulo, passando pelo edifício Andorinhas, no Rio, Aeroporto Santos Dumont, Edifício da Eletrobras, INSS em Brasília, e uma longa lista de outros episódios, encontramos em comum, nos laudos e relatórios, a precariedade constatada das instalações elétricas. O que nem sempre fica demonstrado para a população é que o referido “curto-circuito” não foi uma surpresa ocasionada por um fenômeno incontrolável mas o último suspiro de uma instalação que estava agonizando. Os incêndios, com origem elétrica, começam, regra geral, em circuitos sobrecarregados, sem proteção adequada, sem manutenção, manuseados por leigos curiosos acobertados por profissionais “econômicos” que procuram “pelo menor preço” as soluções técnicas de problemas que deveriam estar sendo motivo de diagnósticos especializados.
Até mesmo na indústria, alguns planos de cargos extingüiram, sob o pretexto da flexibilização, os eletricistas e eletrotécnicos pelos “operadores”. A eles, sem a garantia da qualificação formal, são dadas atribuições que os expõem a riscos que eles sequer conhecem. E o pior, expõem a todos os que se utilizam daquelas instalações, com suas gambiarras, jeitinhos, criatividade, ou outras denominações muitas vezes cercadas de elogios pela “pró-atividade” demonstrada em fazer a coisa errada. Infelizmente, mesmo fazendo errado, a luz acende, o motor gira e o ar refrigerado gela, pelo menos por um tempo.
A regulamentação trabalhista, em seu novo texto, veio trazer uma esperança pois estabeleceu critérios mais rígidos, tanto para as instalações quanto para as pessoas que trabalham com eletricidade. O que ainda nos preocupa é saber se a sociedade terá fôlego para fiscalizar o cumprimento dessa legislação. É importante registrar que muitas medidas de controle já existiam no texto antigo da norma trabalhista de segurança, e além de pouco aplicadas, menos ainda eram fiscalizadas. Mas como tudo o que é novo vem com mais força, devemos esquecer o passado triste e acreditar em um futuro mais alegre, e bradar tal como o luso poeta, que “cesse tudo o que a musa antiga canta, que um valor mais alto se levanta”.
Esse valor mais alto vem se destacando nos eventos de Segurança do Trabalho, onde o assunto segurança em eletricidade passou a integrar o conjunto dos temas em destaque e interesse. E nos eventos técnicos da área elétrica , a segurança também passou a ser imprescindível. Um bom exemplo, nesse sentido, será a realização, nos dias 22 a 24 de setembro de 2009, em Blumenau, Santa Catarina, do 4o Seminário Internacional de Engenharia Elétrica na Segurança do Trabalho. Promovido pelo Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos – IEEEv – este evento também é conhecido pela denominação ESW Brasil 2009, pois segue o modelo do Electrical Safety Workshop, realizado pelo IEEE norte-americano desde 1991.
Agora que a “nova NR-10” está quase completando quatro anos, vamos continuar trabalhando bastante este tema, estimulando os profissionais de segurança a conhecerem um pouco mais sobre os perigos da eletricidade e as principais medidas de controle.