Riscos elétricos nos ambientes residenciais e comerciais brasileiros

Edson Martinho e Ana Carolina Brandão Gontijo – Abracopel;
Danilo Ferreira de Souza – Abracopel e Universidade Federal do Mato Grosso

Com base em pesquisas realizadas pela Abracopel – Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade, aqui se apresentam estatísticas de acidentes com choques elétricos e incêndios de origem elétrica em residências e comércios, bem como as ações de conscientização e capacitação, realizadas pela entidade e parceiros, em prol da melhoria do quadro de precariedade constatado

Cerca de 35% dos acidentes com choques elétricos e 60% de incêndios gerados por sobrecargas ocorrem em ambientes residenciais, como têm demonstrado os levantamentos da Abracopel. Uma pesquisa realizada em 2017 pela entidade, em parceria com o Instituto Brasileiro do Cobre, analisou 1100 residências em todo o Brasil e constatou que apenas 21% delas tinham instalados dispositivos de proteção a corrente diferencial-residual (DR), que em aproximadamente 50% não havia o condutor de proteção, e que grande parte das casas antigas (com mais de 20 anos) nunca foram submetidas a uma reforma da instalação elétrica. Outro problema identificado na pesquisa: os acidentes acontecem em decorrência do pouco conhecimento e da contratação de profissionais desqualificados, bem como da compra de produtos de má qualidade. Diante desse cenário, analisam-se aqui as causas dos principais acidentes de origem elétrica no Brasil e apresentam-se diretrizes para reduzi-los.

Certificação de instalações e pesquisas sobre acidentes

O debate em torno da certificação das instalações elétricas é pauta em todos os seminários e discussões técnicas, incluindo conversas de mesa de bar. Uma tentativa de regulamentar essa certificação foi iniciada em meados de 2010 com a criação da Certiel Brasil – Associação Brasileira de Certificação de Instalações Elétricas [1], entidade que durante alguns anos pleiteou ao Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia a instituição dessa regulamentação. Tais esforços culminaram na publicação da portaria número 51 do Inmetro (Requisitos de avaliação da conformidade para instalações elétricas de baixa tensão [2]), de 28 de janeiro de 2014, que definiu as regras para a certificação voluntária das instalações. A partir daí, várias entidades, incluindo a Abracopel, passaram a acompanhar o assunto, porém as ações não evoluíram justamente devido ao caráter voluntário de sua aplicação no Brasil. Assim, a certificação das instalações elétricas não funcionou e a Certiel veio a encerrar suas atividades. Dentro deste mesmo cenário, e buscando a conscientização para os perigos da eletricidade, a Abracopel começou a coletar e tratar dados de acidentes de origem elétrica e em 2017 publicou, em versão impressa, o primeiro “Anuário Estatístico Abracopel de Acidentes de Origem Elétrica do Brasil”, que incluía informações relativas aos anos de 2013 a 2017. Atualmente, com dados de 11 anos já publicados, a Abracopel já contribuiu e continua contribuindo para direcionar ações de inúmeras entidades e empresas no sentido de reduzir os acidentes de origem elétrica. Com o extinto Procobre, a entidade realizou em 2017 uma pesquisa sobre a situação das instalações elétricas residenciais, e em 2018 publicou o “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais Brasileiras” [3].

Fig. 1 – Ilustração representando a eletrocussão de John Feeks em Nova York, em 1889 [5]
Fig. 2 – Total de acidentes de origem elétrica em 2023

século 19, quando a eletricidade começou a ser usada em todos os setores da economia, como se pode constatar pela curiosa imagem do final dos anos 1800 reproduzida aqui (figura 1). Essa figura é da revista satírica “Judge”, publicada em 1889 na cidade de Nova York, que fazia uma crítica à morte de um funcionário da Western Union após encostar nos fios de um poste no centro de Nova York .

Desde então, os acidentes vêm acontecendo de forma sistemática e aumentando a cada ano. A Abracopel publicou no dia 3 de abril último a versão 2024 do “Anuário Estatístico de Acidentes de
Origem Elétrica”, no qual consta para o ano de 2023 o registro de 2089 acidentes de origem elétrica, sendo 781 (37%) deles fatais, conforme mostra a figura 2. A Abracopel divide os acidentes de origem elétrica em três categorias: choques e arcos elétricos; incêndios gerados por sobrecarga e curto-circuito; e descargas atmosféricas que causam perdas patrimoniais e perdas de vidas.

Fig. 3 – Acidentes totais e fatais com choque elétrico vs. locais de ocorrência em 2023

Quando se avaliaram os dados dos locais onde ocorreram os acidentes por choque elétrico, constatou-se que nos ambientes residenciais aconteceram 27,8% deles, e nos ambientes comerciais 5,1%, como pode ser visto na figura 3. Entretanto, quando o assunto é incêndio, a participação desses locais aumenta significativamente, com 49% dos casos ocorrendo em ambientes residenciais e cerca de 20% em ambientes comerciais, como lojas, shopping centers, escolas, hospitais e outros (figura 4). Estes são indícios claros da necessidade de se trabalhar para mudar a cultura referente aos cuidados com a segurança envolvendo eletricidade. Segundo o “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais Brasileiras” [3], somente 21% das residências contam com DR (dispositivo de proteção a corrente diferencialresidual) instalado (figura 5). As figuras 5, 6 e 7 comprovam que as instalações não atendem nem parcialmente as normas. A pesquisa foi realizada em 2017, quando as instalações das edificações deveriam estar de acordo com a norma ABNT NBR 5410:2004 – Instalações Elétricas de Baixa Tensão –
versão corrigida, 2008 [7], a qual determina a instalação de DR e dispositivos de proteção contra surtos (DPS) em todas as edificações acessadas por usuários sem conhecimentos específicos em instalações elétricas. De acordo com o “Raio X das Instalações Elétricas Residenciais Brasileiras” [3], 79% das residências não possuem o DR (figura 5) e a maioria das mortes por choque elétrico (~50%) ocorre no ambiente residencial. Tem-se aí, basicamente, o diagnóstico principal da causa dos acidentes internos às residências.

Fig. 5 – Presença de dispositivos DR e DPS nas residências brasileiras

Outro grande desafio nas instalações elétricas residenciais e comerciais é representado pelo uso disseminado de adaptadores T (benjamins) e extensões. A figura 6 apresenta os dados coletados pelo “Raio X” das instalações residenciais, com os quais é possível correlacionar o número de incêndios por sobrecarga e curto-circuito em ambientes residenciais (figura 4) e o uso dos adaptadores e benjamins,
dispositivos que podem ser motivo de perdas patrimoniais e de vidas. De acordo com a figura 6, 46% das residências brasileiras nunca reformaram a instalação elétrica. A esse respeito, resalta-se que já existe consenso formado entre os profissionais do setor de instalações de que a instalação deve ser passar por inspeção periódica.

Fig. 6 – Uso de benjamins e extensões em residências

No “Raio X das Instalações Elétricas Comerciais Brasileiras” [4], publicado em agosto de 2022, consta que a ausência de DR e DPS chega a quase 60% (figuras 8 e 9, pág. 38). Já o uso de benjamins acontece em quase 40% dessas instalações, e a presença de extensões é verificada em 30% de forma permanente e em 26% de forma temporária, conforme mostram as figuras 10 e 11 (pág. 38).

Atuação da Abracopel

Avaliando os dados aqui apresentados, observa-se que há uma carência muito grande quando o assunto é instalações elétricas residenciais e comerciais, com relação à qualidade da instalação e qualidade dos profissionais. A Abracopel tem realizado uma série de atividades, alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, buscando capacitar os profissionais ligados à eletricidade. As ações abrangem o projeto “Eletricista Consciente e Seguro”, com seminários técnicos presenciais e virtuais, além da criação de conteúdos como e-books, vídeos e minicursos EaD, e o projeto “Universidade Abracopel”, que oferece acesso a vários conteúdos a todos os profissionais. Há ainda o projeto “Abracopel no Lar”, que visa a comunicação objetiva e com linguagem acessível com toda a população brasileira, com vistas à conscientização, e o “Concurso Nacional Abracopel de Redação, Desenho e Vídeo”, que incentiva crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos a desenvolverem o tema “Segurança com Eletricidade” na sala de aula. Dessa forma, não só o estudante mas também a comunidade no seu entorno multiplicará o que foi aprendido ― estima- se que cada aluno conscientizado atinja, no mínimo, seis pessoas no seu entorno, que são sensibilizadas pelas informações a respeito da segurança com eletricidade. Outro projeto é o “Prêmio Abracopel Nacional de Jornalismo”, que há mais de 16 anos premia profissionais de mídia que multiplicam as boas práticas da segurança com eletricidade.

Fig. 7 – Reforma das instalações elétricas residenciais

Não menos importantes são as parcerias que ajudam a ampliar o trabalho necessário. Uma delas é com a Qualifio – Associação Brasileira pela Qualidade dos Fios e Cabos Elétricos e o Sindicel – Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo, que atuam com foco no combate à pirataria de fios e cabos. Nessa parceria, a Abracopel desenvolve e leva a profissionais e não profissionais informações sobre os riscos da aquisição de condutores de má qualidade. A Qualifio regularmente realiza testes em cabos elétricos de baixa tensão disponíveis no mercado e publica os resultados. Conforme suas publicações, aproximadamente 70% dos condutores ensaiados apresentam anomalias [8, 9], as quais podem ser causa de parte dos incêndios detectados pelas pesquisas da Abracopel.

Fig. 8 – Uso de DR nas instalações elétricas comerciais
Fig. 9 – Uso de DPS nas instalações elétricas comerciais
Fig. 10 – Uso de benjamins nas instalações elétricas comerciais
Fig. 11 – Uso de extensões em instalações elétricas comerciais

Conclusão
Diante do exposto aqui, conclui-se que as instalações elétricas do País estão muito aquém do que é minimamente aceito como seguro, e as causas estão ligadas à cultura de não contratação de profissionais qualificados, capacitados e atualizados para o projeto, execução ou manutenção das instalações, e também à aquisição de produtos e serviços pelo menor preço, sem outros critérios.
Ações como as que estão sendo realizadas pela Abracopel e outras entidades, assim como pelas empresas de materiais elétricos e de distribuição de energia, são cruciais para que o cenário mude. Há que se intensificar e ampliar a abrangência dessas ações para que todos possam ao menos conhecer os riscos da eletricidade e tomarem medidas de controle de tais riscos.

REFERÊNCIAS
[1] Daniel, Eduardo: A segurança e eficiência energética nas instalações elétricas prediais: um modelo de avaliação. Dissertação (Mestrado em Energia), Universidade de São Paulo, 2010. DOI: 10.11606/D.86.2010.tde- 09062011-160552. Acesso em 15-4-2024.
[2] Portaria n.º 51 do INMETRO, de 28 de janeiro de 2014: Requisitos de avaliação da conformidade para instalações elétricas de baixa tensão. Disponível em: , acesso em 1º de maio de 2023.
[3] Associação Internacional do Cobre no Brasil – Procobre; Abracopel – Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade: Raio X das Instalações Elétricas Residenciais Brasileiras, 1ª. edição. São Paulo, 2017.
[4] Martinho, Edson; Martins Júnior, Walter Aguiar; De Souza, Danilo Ferreira (org.): Raio X das Instalações Elétricas Comerciais Brasileiras. Salto- SP: Abracopel, 2022. doi: 10.29327/5302110.
[5] “Judge Magazine”, edition 419, New York, New York, USA, p. 16, 1889.
[6] Martinho, Edson; De Souza, Danilo Ferreira; Martinho, Meire Biudes; Martins Jr., Walter Aguiar; Morita, Lia Hanna Martins; Maionchi, Daniela de Olivera (org.): Anuário Estatístico de Acidentes De Origem Elétrica 2024 – Ano base 2023. Salto-SP: Abracopel, 2023. doi: 10.29327/5388685.
[7] Norma Brasileira ABNT NBR 5410:2004 – Instalações Elétricas de Baixa Tensão – versão
corrigida, 2008.
[8] Souza, D. F. de; Martins, W. A.; Martinho, E.; and Tatizawa, H.: Irregular Electrical Cables, in “IEEE Transactions on Industry Applications”, vol. 60, no. 2, pp. 2742-2748, March-April 2024, doi:
10.1109/TIA.2023.3333765.
[9] Souza, D. F. de; Aguiar Martins, W.; and Martinho, E.: Irregular Low-Voltage Electrical Cables, 2023
IEEE IAS Electrical Safety Workshop (ESW), Reno, NV, USA, 2023, pp. 1-5, doi: 10.1109/ ESW49992.2023.