Não é difícil garimpar na web notícias e relatórios de investigação sobre incêndios e explosões de terminais de armazenamentos de grãos, refinarias de açúcar dentre outros. Então já temos alguma consciência sobre o potencial do estrago que estes materiais, à primeira vista inofensivos, podem causar.
Não podemos evitar o surgimento dos riscos associados a poeiras combustíveis nestes locais. Mas décadas de evolução dos processos de gerenciamento de riscos nos oferecem uma faixa razoável de possibilidades. Uma abordagem que vem adquirindo cada vez mais relevância é a Dust Hazardous Analysis, também conhecido como DHA. A técnica é bem efetiva e de certa forma fácil de ser explicada. Os norte-americanos possuem normas maduras e didáticas de como executar uma avaliação destes riscos.
Um profissional qualificado pode empregar esta técnica para identificar e caracterizar os riscos, sobretudo, recomendando ações para eliminar, controlar ou reduzir os mesmos através da adoção poeiras em locais estrategicamente escolhidos. Afinal, primeiro, precisamos identificar se a poeira é combustível ou inerte. Depois precisamos caracterizar as propriedades de ignição e explosão, se aplicável.
O Brasil e a União Europeia adotam e utilizam a norma ISO/IEC como referência. Os europeus também precisam atender os requisitos das diretivas 99/92/EC e 94/9/EC.
A norma internacional ISO IEC 80079-20-2 é utilizada como base normativa para definir os métodos de ensaios aplicáveis as poeiras combustíveis. Estes ensaios são fundamentais pois permitem a caracterização das poeiras e a identificação de parâmetros indispensáveis para concluir a DHA e também a classificação de áreas.
No momento que escrevo este texto, eu identifiquei um laboratório brasileiro acreditado pelo INMETRO que executa alguns ensaios descritos nesta tabela em terras brasileiras. Outros são realizados em parceria com laboratórios estrangeiros e por isso as amostras de poeiras coletadas no campo precisam sair do território nacional.
Aproveito para reforçar a importância da realização destes ensaios para sustentar a análise de risco. Um responsável pela DHA, ou pela classificação de áreas, precisa no mínimo caracterizar as poeiras combustíveis no local. Os particulados não são homogêneos, longe disso, há uma quantidade sem fim de possibilidades de distribuição de partículas. Cada variação possível resulta em propriedades de ignição e explosão completamente distintas. Uma análise de risco sem Dust Testing é, na minha opinião, incompleta e imprecisa.
Através dos ensaios, o especialista consegue correlacionar a poeira coletada no campo com as bases de dados disponíveis na literatura. Mesmo assim, é raro encontrar amostras de campo semelhantes as disponíveis em tabelas de normas. A norma ISO IEC 80079-20-2 reconhece este fato e não oferece informações de propriedades de ignição de poeiras no seu texto. Eu interpreto esta decisão dos normalizadores como uma forma de inibir a adoção de valores que provavelmente não representam a realidade das instalações.
Vou utilizar a tabela abaixo para ilustrar esta afirmação.
A base de dados alemã GESTIS DUST EX disponibiliza registros de ensaios do açúcar com temperatura mínima de ignição de nuvem (MITnuvem) que varia entre 310 oC e 370 oC. Por sua vez, a norma americana NFPA 499 registra a MITnuvem do açúcar em 360 oC. Os métodos de ensaio são equivalentes. Qual valor deve ser adotado? O responsável pela avaliação de risco deve orientar a coleta da amostra do açúcar no campo e viabilizar a realização do ensaio usando o forno BAM ou GG como previsto na norma ISO IEC 80079-20-2. Não será nada surpreendente se encontrar um valor fora da faixa informada pelo GESTIS DUST EX. O valor detectado no ensaio deve ser registrado e fazer parte da memória técnica da análise de risco. Assim como o HAZOP, esta análise precisa ser revisada sistematicamente e testes adicionais são necessários para ratificar ou corrigir o MIT que pode se alterar devido as variações normais que ocorrem nos processos. Eu ilustrei o raciocínio oferecendo um exemplo do açúcar e de uma característica apenas (MITnuvem). Mas o argumento pode ser replicado para qualquer poeira combustível e qualquer propriedade como MEC, MIE, dentre outros.
Não quero afirmar com isso que o responsável pela classificação de áreas não possa utilizar a informação da NFPA 499 ou da base de dados alemã GESTIS DUST EX sem realizar testes em amostras coletadas no campo. Mas certamente ele precisa registrar o racional desta escolha, ou seja, quais motivos o levaram a adotar os valores destas bases de dados. E sobretudo quais são os potenciais impactos desta conclusão na sua análise de risco.
Eu acho que temos bastante espaço para desenvolver uma cultura prevencionista baseada num pensamento criterioso, analítico e sustentado pelas normas. Não me aprofundei porque o Brasil não possui uma base longeva de laboratórios com instrumental capaz de realizar os ensaios com poeiras descritos anteriormente.
Mas desconfio ser difícil para um laboratório realizar investimentos expressivos em equipamentos de ensaios, treinar laboratoristas e obter acreditação INMETRO para esta faixa de ensaios se não há demanda. Reforço que é imperioso ter análise de riscos sustentadas por testes de amostras de campo para termos algo concreto, que realmente reflita as condições reais de campo. Por isso, quando um especialista realizar uma DHA, ou uma classificação de áreas, é natural que ele peça a realização de testes nas poeiras combustíveis coletadas no campo.
E você? Conhece as propriedades de ignição e de explosão das poeiras combustíveis presentes na sua instalação? Adoraria ouvir sua opinião sobre este assunto.