Conscientização Ex

A segurança deve ser prioridade em todos os aspectos da vida, mas, usualmente, nossa atenção fica limitada aos perigos “evidentes” e bem documentados. Queremos alertar que há uma ameaça silenciosa que pode estar em nossos lares: a formação de atmosferas explosivas. Enquanto a conscientização sobre esse risco é amplamente discutida em ambientes industriais, como refinarias de petróleo e depósitos de combustíveis, é crucial estender essa preocupação ao ambiente caseiro, onde produtos cotidianos podem se tornar fontes de perigo. Ao considerar os riscos associados à formação de atmosferas explosivas, as pessoas visualizam cenários industriais complexos. Na verdade, muitos produtos comumente encontrados em nossas casas podem contribuir para a criação dessas atmosferas. Produtos aparentemente “inofensivos”, como colas e tintas, podem ser formuladas com substâncias inflamáveis, que muitas vezes o consumidor não é alertado sobre os cuidados necessários.

As colas

Muitos consumidores compram colas para efetuar diversos serviços caseiros: reparo de peças quebradas, fixação de dispositivos em superfícies, e até para fazer arranjos artesanais. Mas deve ser considerado que certas colas, disponíveis nos supermercados, contêm solventes como o tolueno, uma substância química que libera vapores inflamáveis. Embora a presença desses solventes possa estar mencionada nas fichas técnicas dos produtos, percebemos instruções de uso que não enfatizam adequadamente os cuidados necessários para evitar incêndios. É fundamental que campanhas de conscientização destaquem não apenas a presença desses elementos, mas também a necessidade de precauções específicas. Manter os ambientes bem ventilados e garantir que não haja fontes de ignição próximas durante o uso são práticas essenciais que precisam ser incorporadas ao cotidiano dos consumidores.

As tintas e vernizes

Outro produto, comum em nossas casas, que pode contribuir para a formação de atmosferas explosivas são as tintas. Durante o processo de aplicação, algumas tintas liberam vapores que podem ser inflamáveis e representar um perigo significativo.

Outros produtos

Além de colas e tintas, há uma variedade de produtos domésticos que contêm substâncias inflamáveis, como produtos de limpeza, aerossóis, solventes e até mesmo alguns materiais de construção podem contribuir para a formação de atmosferas explosivas. E a conscientização sobre esses riscos é crucial. Alertas claros sobre a possível formação de atmosferas explosivas durante o uso devem ser incluídos nas embalagens dos produtos. Isso permitirá que os consumidores fiquem cientes e possam adotar medidas preventivas adequadas, como garantir uma boa ventilação durante a aplicação e evitar fontes de calor próximas, incluindo cigarros. Como a leitura de manuais e rótulos não é um hábito para a maioria das pessoas, campanhas de conscientização devem fornecer informações sobre os riscos potenciais e destacar práticas seguras de armazenamento e uso.

A normalização

Em 2023 tivemos a publicação de nova edição da NBR 14725, que estabelece requisitos para a classificação dos perigos, para a rotulagem e a confecção da Ficha com Dados de Segurança (FDS –  nova denominação da FISPQ – Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos). Esta norma também define quais informações relacionadas ao produto químico devem ser incluídas nos rótulos, sobre segurança, saúde e meio ambiente. Como as normas técnicas são destinadas aos profissionais e aos fabricantes, uma campanha educativa que “apresente” seu valor ao público em geral, especialmente quanto aos requisitos para os produtos de uso doméstico, é necessária. E, considerando que as empresas ainda terão um prazo de dois anos para se adequarem à nova NBR 14725, uma campanha educativa lançada agora ganharia tempo precioso e contrbuiria para evitar muitos acidentes.

Muitos produtos contêm substâncias inflamáveis. Alertas sobre a possível formação de atmosferas explosivas durante o uso devem ser incluídos nas embalagens

A legislação

A legislação brasileira tem contemplado a segurança dos trabalhadores quanto ao manuseio de produtos químicos, como por exemplo, o Decreto 2.657/1998, que estabelece que os produtos químicos perigosos deverão portar uma etiqueta compreensível para os trabalhadores. No ambiente industrial, onde trabalhadores recebem treinamentos periódicos, há condições e recursos para disseminação de procedimentos de segurança. Porém, no ambiente residencial, entendemos haver necessidade de algo além da rotulagem de produtos para uso doméstico. Apenas a palavra “inflamável” não é suficiente para despertar o consumidor aos riscos envolvidos. Dentre exemplos recentes, podemos citar o relato de incêndios em veículos devido à colocação de frascos com álcool sobre o painel, expostos diretamente ao sol. Portanto, campanhas educativas são necessárias para que cada vez maior parcela da população “visualize” os riscos e também incentive os fabricantes a formularem produtos mais seguros e adotarem práticas de fabricação responsáveis.

Protegendo nossos lares

Para uma diminuição significativa dos acidentes domésticos com produtos inflamáveis, é vital investir em programas educacionais contínuos e campanhas que capacitem os cidadãos a reconhecer e gerenciar os riscos de formação de atmosferas explosivas em suas casas. Esses programas podem ser conduzidos por órgãos governamentais, organizações não governamentais e até mesmo empresas, fornecendo orientações práticas sobre medidas preventivas, visando criar uma sociedade mais consciente e segura. A formação de atmosferas explosivas é uma ameaça real que pode se esconder nos lugares mais inesperados, incluindo nossos lares. Ao estender a conscientização sobre esse risco além dos ambientes industriais tradicionais, podemos criar uma cultura de segurança que protegerá os cidadãos comuns de perigos muitas vezes negligenciados.

A citação explícita sobre a formação de “atmosferas explosivas”, bem como as orientações para uso seguro, deveriam estar nas embalagens, como a da cola australiana ilustrada na foto 1, onde podem ser vistas as menções a aterramento, uso de ferramentas não-faiscantes e equipamento à prova de explosão. O investimento em programas educacionais e treinamentos contínuos capacitará os cidadãos a adotarem práticas seguras em seus lares, transformando-os em ambientes mais seguros, protegendo assim as famílias contra riscos muitas vezes invisíveis, mas muito reais.

Autor:

Estellito Rangel Júnior

Engenheiro eletricista, primeiro representante brasileiro de Technical Committee 31 da IEC, apresenta e discute nesta coluna temas relativos a instalações elétricas em atmosferas potencialmente explosivas, incluindo normas brasileiras e internacionais, certificação de conformidade, novos produtos e análises de casos. Os leitores podem apresentar dúvidas e sugestões ao especialista pelo e-mail em@arandaeditora.com.br, mencionando em “assunto” EM-Ex.