De olho na pirataria

A diferença entre os produtos originais e pirateados não está só no preço. O combate  à prática de ações criminosas deve partir, principalmente, do consumidor final, o qual pode ser vítima primária dos riscos

Por  Ricardo Casarin e Waléria Mattos

Quando é mencionado o termo ” pirataria ”, logo nos vem à mente o comércio ilegal de CDs ou DVDs em barraquinhas pelas ruas da cidade. Contudo, a situação vai além do que se pensa. A pirataria de produtos não se resume apenas a artigos comercializados em mercados populares, mas também à preocupante falsificação de materiais elétricos, oferecendo riscos bem maiores do que os demais, uma vez que interferem diretamente na saúde, bem estar e segurança das pessoas, podendo ocasionar incêndios, queima de equipamentos, quedas de energia, choques elétricos, acidentes fatais, entre outros.

Normalmente, os materiais elétricos  devem apresentar certificados de qualidade do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), onde são submetidos a diversos ensaios laboratoriais ou devem, no mínimo,   seguir os critérios técnicos exigidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), garantindo qualidade e segurança para os usuários. No entanto, a audácia dos falsificadores permite, inclusive, que as certificações sejam copiadas.

Inúmeros são os impostos que as indústrias e fábricas precisam pagar ao governo para que seus produtos sejam comercializados dentro dos parâmetros legais exigidos pelo País. Quando os produtos são submetidos aos ensaios, há um valor que as empresas devem ter disponível destinado a custeios de laboratórios. Assim, se o produto é falsificado, empresas são afetadas pela concorrência desleal devido ao desequilíbrio da competitividade. Além do mais, a pirataria compromete a qualidade dos equipamentos, expõe os consumidores a riscos, permite menos arrecadação de impostos por parte do governo – o que gera um aumento de taxas etc.

Por trás da prática de comercializar materiais piratas ou falsificados, há espaço para outros tipos de crimes. Junto com apreensão de produtos ilegais, é comum que a fiscalização encontre drogas, munição e armas, o que revela uma prática criminosa muito bem organizada que administra os processos de fabricação, logística, compra e venda destes materiais. Cada vez mais, as industrias procuram outros países para fincar raízes e atingir novos mercados. Contudo, a obtenção de crescimento, às vezes, pode se tornar um problema, pois alguns criminosos se aproveitam do processo de adaptação do produto, como matéria prima utilizada, etapas de fabricação e desenhos técnicos  que são disponibilizados neste processo de transição tem as mesmas características técnicas do original, porém visualmente, é cópia idêntica.

Por isso, o acompanhamento do setor é essencialmente importante. Obviamente, as empresas possuem objetivos comerciais, mas que a fiscalização do mercado é um requisito necessário para que o bom andamento dos negócios não seja prejudicado. Imagine, por exemplo, uma grande fábrica de luminárias LED que busca, constantemente, aperfeiçoar os produtos para que sejam comercializados de acordo com as certificações exigidas pelo setor. Entretanto, em determinada revenda ou distribuidora, o representante verifica que a luminária que está na prateleira não é a mesma originalmente fabricada pela empresa, apesar de ser muito parecida. Ela revela-se idêntica até o momento que chega à residência do consumidor, é neste instante que a qualidade do material é desmascarada, sendo a cópia do produto original conhecida no mercado como material contrafeito. Os produtos contrafeitos imitam os originais desde a embalagem, design, cores, códigos e modelos, mas não possuem os mesmos padrões de qualidade e eficiência.

Os consumidores possuem grande responsabilidade no mercado da pirataria, pois diversas vezes, adquirem materiais cientes da incerteza de sua origem, mas se prendem somente ao preço.

Pelo fato de os materiais elétricos estarem diretamente envolvidos com a segurança, é possível identificar se o produto é contrafeito ou pirata por meio do logo do Inmetro contido nas embalagens. Porém, alguns consumidores desconhecem a exigência da certificação, por outro lado, os que sabem não se interessam pela origem, e sim pelo valores mais baixos.

Segundo dados levantados pela  ABCF  (Associação Brasileira Combate a Falsificação), entidade que atua no combate à falsificação desde 1992, anualmente, o Brasil tem um prejuízo  nos setores elétrico eletrônico estimado em R$ 700 milhões, entre produtos contrafeitos, contrabandeados, fraudes e em concorrência, fraudes eme concorrência desleal.

Grande parte destes materiais é proveniente da China, Leste Europeu e de outros países asiáticos, sendo que os chinses ocupam o primeiro lugar num ranking.

Muitos originários destes países são comercializados Brasil de maneira legal, e inclusive, possuem qualidade e devida certificação. Por isso, seria errado afirmar que todas as importações vindas dos locais mencionados são criminosas.

Segundo o presidente executivo do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), o advogado Edson Luiz Vismona, o acompanhamento das associações e empresas que compõe o setor é extremamente importante para coibir ações criminosas. Identificada a ilegalidade, as informações são repassadas para as autoridades competentes, cuja função é punir os responsáveis.

Ainda de acordo com Vismona, de dezembro de 2010 até maio de 2012, a Prefeitura do Estado de São Paulo apreendeu 59 milhões de produtos ilegais, somando o valor  de R$ 2 bilhões. Segundo dados levantados pelo Fórum, nas fronteiras do país, em específico no Paraguai, houve um total de R$ 53 milhões em produtos, no período que compreende de janeiro a maio deste ano. Todos estes valores ilegais de materiais apreendidos – conhecido como ” economia subterrânea ” – são materiais comercializados de maneira informal, com sonegação de impostos e de trabalhadores que atuam clandestinamente.

IMPACTO NO SETOR DE MATERIAIS ELÉTRICOS

Lâmpadas para iluminação pública, transformadores e chuveiros elétricos são os produtos que correspondem a maioria  das falsificações. No Brasil, exitem fábricas especializadas na produção de equipamentos falsificados, sendo cerca de 5% desses produtos desenvolvidos no País, 80% provenientes da China e Ásia e 15% produzidos no Paraguai. Segundo o advogado Rodolpho Ramazzini, diretor de comunicação da ABCF, a associação já apreendeu, em Curitiba (PR) inúmeras lâmpadas falsificadas para uso em iluminação pública.

Atualmente, inúmeros são os projetos promovidos pelo governo ou por empresas privadas para conscientizar a população sobre o consumo consciente, porém, para que os resultados positivos sejam alcançados, é necessário que o produto em questão esteja de acordo com as normas. Caso contrário, não adiantará que o consumidor racionalize o uso de lâmpadas acesas as 19h as 21h, pois se o produto for contrafeito, não terá potencial de eficiência energética.

Algo comum entre os falsificadores no que diz respeito ao setor de iluminação é a falsa declaração de conteúdo, em que importam determinados equipamentos cujos impostos são menores, quando na verdade estão trazendo ao país um material distinto do discriminado na nota fiscal. Um exemplo simples: a nota se refere a lâmpadas comuns (cujos os  impostos são menores), quando na verdade a embalagem mostra que são lâmpadas LED (maiores impostos).

Esta ação promove a concorrência desleal, de modo que os impostos pagos são menores, o que faz com que o equipamento seja vendido por preços abaixo da média do mercado. Embora para os criminosos que exercem esta atividade criminosa o lucro seja extremamente alto, para os que agem dentro da lei, o prejuízo é muito grande.

Outros prejudicados no setor são os órgãos de certificação, uma vez que quando um produto é atestado e recebe certificados de qualidade, posteriormente, ele é recolhido das prateleiras para passar novamente pela fiscalização. No caso de materiais elétricos, normalmente o consumidor se baseia pelo selo do Inmetro, mas atenção, segundo Vismona, até p logo do Instituto pode ser falsificado.

AÇÕES DE COMBATE AO CRIME

Além dos órgãos FNCP E ABCF no Brasil há a Associação Brasileira de Licenciamento (Abral), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Grupo de Trabalho de Combate aos Produtos Contrafeitos e Ilegalidades. Estas organizações  trabalham diariamente em parceria com as companhias e os consumidores, a fim de combater o mercado ilegal.

A falsificação e o contrabando de produtos não acabarão da noite para o dia, nisto que é um problema mundial, e que, infelizmente, sempre há consumidores para comprar estes itens. Esta afirmação é facilmente explicada por meio do ditado popular ” a ocasião faz o ladrão ”. Segundo Ramazzini, o Brasil deixa de faturar por ano cerca de U$20 bilhões por causa de pirataria em geral.

A maneira mais eficiente de dissolver o mercado ilegal é a conscientização dos consumidores e constante acompanhamento do setor em relação a este assunto. Quando as empresas e associações de classe se unem por uma mesma causa, os resultados são mais eficazes. Assim sendo, consumidores, fábricas, associações, governo, distribuidoras, revendedoras, e outros órgãos respons´veis devem trabalhar juntos para que os prejuízos causados sejam amenizados.

FISCALIZAÇÃO CONSTANTE

O Inmetro e Instituto  de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP) executam serviços essenciais na proteção ao consumidor, realizando a verificação e a fiscalização de produtos, incluindo materiais elétricos.

Valmir Ditomaso, diretor de Metrologia e Qualidade do Ipem-SP, explica que normalmente, os produtos são fiscalizados nas lojas, e que essa fiscalização atinge todos os municípios que são fiscalizados nas lojas, e que estas fiscalizações atinge todo município do Estado e São Paulo. Existem municípios que são fiscalizados anualmente, outros são fiscalizados acada dois ou três anos, dependendo do tamanho”, conta Ditomaso.

Ele também relata que a maioria das irregularidades encontradas  está relacionada aos produtos contrafeitos ” A incidência de produtos elétricos falsificados que encontramos é baixíssima ”, mensura.

Nos primeiros quatro meses de 2012, o Ipem fiscalizou em torno de 506 mil produtos elétricos, encontrando irregularidades em 23% desse total. De acordo com a entidade, o maior índice de irregularidades é de acordo com a nova legislação e não estão dentro do padrão atual.

No primeiro quadrimestre de 2012, o índice de reprovação de adaptadores e pluges foi de 11%. Fios e cabos ocupam segundo lugar no número de irregularidades, com um percentual de 6,03%. Tomadas tiveram um índice de 3%. Estes números demonstraram que o problema. Porém, Ditomaso acredita que a situação tende a melhorar com a atual intensificação da fiscalização e iniciativas nas esferas pública e privada.

” Com fiscalização, percebemos que a conscientização por parte daqueles que fabricam aumenta. Esse índice de irregularidade tende a cair, até porque existe uma forte fiscalização por parte da industria brasileira, e também uma iniciativa de tomar decisões ações paralelas para tentar coibir o uso de produtos irregulares ”, opina Ditomaso.

O diretor do Ipem também acredita que a conscientização do consumidor do consumidor  contribua bastante para a diminuição  de materiais elétricos irregulares no mercado. ” O Ipem procura divulgar no  dia a dia essas informações corretas para que o próprio consumidor observe se o produto é apropriado ou não. A possibilidade de o preço de um produto irregular ser muito menor pode fazer com que um cidadão com poder aquisitivo menor acabe comprando pelo valor e não pela qualidade ”, explica.

Embora a maior parte de produtos contrafeitos  existentes no mercado brasileiro seja de fabricação estrangeira, ainda existem fábricas de ” fundo de quintal ” que produzem itens de má qualidade e sem nenhum tipo de certificação no País. Mas em casos assim, não consegue comprovar a procedência do material. ”  A partir do momento em que ele não demonstra onde comprou, presume-se que ele próprio tomou a iniciativa da fabricação ”, explica Ditomaso.

As ações necessárias para combater o comércio de materiais ilegais mobilizam o governo federal, estados, municípios e instituições da sociedade civil organizada. No caso das operações de combate à pirataria, são diretamente implantadas pela Policia Federal e pela Policia Rodoviária Federal, bem como por outros órgãos com competência de fiscalizar.

OPINIÃO DAS REVENDAS

A Associação Brasileira dos Revendedores e Distribuidores de Materiais Elétricos (Abreme) vê a questão da pirataria como um problema ainda frequente e de difícil solução, por se tratar de um fenômeno global, e não de um problema exclusivo do Brasil ou da América Latina.

” Quando falo de pirataria  não me refiro somente ao simples ato de comprar  um produto contrafeito, mas sim, a tudo que está por trás disso ”, expressa o diretor da Abreme, Francisco Simon. ” A pirataria ou produção de produtos contrafeitos não é uma simples contravenção, há desdobramentos e envolve desde a formação de quadrilhas, trabalho escravo, desrespeito às leis, incentivo à corrupção, sonegação de arrecadação tributária, afastamento de investimento estrangeiro no País e, também, um forte sentimento de impunidade no meio social que acaba por incentivar e alimentar a expansão e continuidade desses atos ilícitos ”, salienta Simon.

Ele aponta que as consequências para quem consome esse tipo de produto podem ser muito graves. A exemplo disso, tem-se a utilização de fios e cabos   de má qualidade , sem certificação ou procedência, que pode causar incêndios e até mesmo a morte. Apesar desse panorama complicado, o diretor  da Abreme declara que está havendo uma maior conscientização por parte da sociedade e dos órgãos públicos, e que com isso, diversas associações foram criadas e estão atuando para auxiliar o Estado.

A Abreme também avalia  que houve uma melhoria na atuação do governo para coibir a utilização de materiais irregulares. ” Do meu ponto de vista, O governo se conscientizou que a batalha contra a pirataria  (CNCP) – representando um passo importante para consolidar uma politica nacional de combate ao problema. O CNCP coordena e propõe ações públicas e privadas para prevenir e combater a pirataria e os delitos contra a propriedade intelectual.

Tal movimento foi continuado com a elaboração do Plano Nacional de Combate a Pirataria, com objetivo de definir novas estratégias  e e aprimorar as ações públicas de tratamento do tema.

Através desse Plano, também foi lançado o programa de capacitação de agentes públicos, propiciando um aumento progressivo do número de profissionais treinados nas esferas federal, estadual, e municipal, com consequente aprimoramento das ações de fiscalização e repressão de produtos piratas e falsificados.

Apesar dessas iniciativas, Simon crê que mais ações e politicas podem ser tomadas para melhorar a situação. ” Precisamos urgentemente de reforma em nosso Código de Direito Penal, adotar leis menos brandas ”, afirma.

Simon justifica essa opinião apontando o exemplo de que quando a falsificação envolve a saúde publica, a resposta penal é mais grave, sendo inclusive caracterizado como crime hediondo e sujeito a ação penal publica incondicionada.

Porém, quando a violação se relaciona a marcas, patentes e desenho industrial – justamente o que afeta diretamente o segmento de material elétrico –  o nosso sistema, através do Código de Propriedade Industrial, constitui as referidas infrações como sendo de menor potencial ofensivo, sujeitando-se a ações penais e privadas.

SETOR EM BUSCA DE SOLUÇÕES

Para contribuir com a luta contra a pirataria a Abreme participa de ações conjuntas com demais entidades e também com os diversos fornecedores participantes que compõe o Grupo de Trabalho de Combate aos Produtos Contrafeitos e Ilegalidades.

O Grupo, formado  pela Abreme em conjunto com a Associação Brasileira da Industria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e com a Associação Brasileira da Industria de Maquinas e Equipamentos (Abimaq) tem a finalidade de desenvolver ações para combate aos produtos contrafeitos por meio de conscientização da sociedade, proporcionando informações úteis e necessárias.

O Grupo se reúne pelo menos uma vez por mês para debater o tema e conscientizar todos os elos da cadeia produtiva, isto é, fornecedor, distribuidor e consumidor fina. ” Acreditamos somente por meio da conscientização e da educação, podermos mudar essa realidade ”, explica Simon.

E complementa. ” O governo e a sociedade precisam entender, de uma vez por todas, que o falsificador – em qualquer segmento de atuação – não é um cidadão comum que está lutando para ganhar o ” pão de cada dia ” e que não oferece risco social. Como já afirmei anteriormente, há os desdobramentos e o próprio desrespeito às leis, e portanto, precisamos endurecê-las, por que a impunidade ou punições brandas não irão combater esse tipo de ação crminosa de maneira satisfatória ”, destaca Simon.