Por Flávia Lima
As diversidades conceituais e funcionais dos dispositivos diferenciais residuais, que, dependentes ou não da tensão de alimentação, protegem as pessoas e as instalações contra fuga de corrente.
O grande número de acidentes envolvendo eletricidade exige o máximo de mecanismos de proteção a fim de proteger os usuários das instalações, os equipamentos que as compõem e evitar a fuga/perda de energia. O escape de corrente elétrica pode causar graves acidentes, como incêndios, e danos às pessoas que usufruem dessa instalação. Para evitar esse tipo de problema, existe o Dispositivo Diferencial Residual (DR), que protege contra os efeitos nocivos das correntes de fuga à terra, garantindo uma proteção eficiente para a vida das pessoas e para o patrimônio da instalação.
Os dispositivos DRs são compostos basicamente por um núcleo toroidal, por um sistema de desarme, onde fica localizado o relé, e por contatos elétricos, que têm sua ação controlada pelo sistema de desarme. O gerente de produtos da divisão elétrica da Eaton, Rodrigo Alves da Silva, conta que os dispositivos diferenciais residuais sempre serão eletromecânicos, pois necessitam de um sinal elétrico, normalmente recebido de um toróide, que é enviado para um pequeno circuito eletrônico que comanda o disparador mecânico, abrindo o circuito em caso de fuga de corrente.
Ocorre que, mesmo com funções idênticas, há disseminado no mercado um debate envolvendo o princípio de funcionamento dos dois tipos de DRs, o eletromagnético e o eletrônico. O primeiro não depende da tensão de alimentação e atua, de acordo com a fabricante Siemens, da seguinte maneira:
“A somatória vetorial das correntes que passam pelos condutores ativos no núcleo toroidal é praticamente igual a zero (Lei de Kirchhoff). Existem correntes de fuga naturais não relevantes. Quando houver uma falha à terra (corrente de fuga), a somatória será diferente de zero, o que irá induzir no secundário uma corrente residual que provocará, por eletromagnetismo, o disparo do Dispositivo DR (desligamento do circuito), desde que a fuga atinja a zona de disparo do Dispositivo DR (conforme norma ABNT NBR NM 61008 o Dispositivo DR deve operar entre 50% e 100% da corrente nominal residual – I?n)”.
O segundo tipo é o DR eletrônico, que depende da tensão de alimentação e possui, no seu sistema sensor, um circuito eletrônico que faz a soma vetorial das correntes diferenciais e que pode aumentar a sensibilidade do sensor, impondo a necessidade de uma tensão de alimentação para que o dispositivo funcione. “É um dispositivo cujas funções de detecção, avaliação e interrupção dependem da tensão de alimentação”, explica o gerente de Marketing do Grupo Legrand, Antônio Eduardo de Souza.
Uma das grandes preocupações do mercado refere-se justamente a essa dependência da tensão. No caso do DR eletromagnético, é a própria corrente de fuga da instalação que faz com que o DR abra o circuito. Já no DR eletrônico, um circuito eletrônico precisa ser alimentado por uma tensão para que então ele consiga perceber a corrente. Em ambos os tipos, quando a tensão de alimentação é reduzida, os dispositivos deixam de funcionar, sendo o DR eletrônico mais sensível a essa interferência.
Outra constatação quanto aos DRs eletrônicos refere-se ao grau de controle possível com este dispositivo. Enquanto no eletromagnético, a força magnética praticável ocorre a partir de uma corrente de 30 mA, no eletrônico, é possível configurar o DR com qualquer corrente de sensibilidade, como os de 6 mA, já existentes em outros países.
Obrigatoriedade
A norma ABNT NBR 5410 determina que é obrigatório o emprego de DRs de alta sensibilidade, que têm corrente diferencial residual nominal igual ou inferior a 30 mA, em circuitos que sirvam a pontos de utilização situados em locais contendo banheira ou chuveiro; em circuitos que alimentem tomadas de corrente situadas em áreas externas à edificação; em circuitos de tomadas de corrente situadas em áreas internas que possam vir a alimentar equipamentos no exterior; em circuitos que, em locais de habitação, sirvam a pontos de utilização situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e demais dependências internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens; em circuitos que, em edificações não-residenciais, sirvam a pontos de tomada situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e, no geral, em áreas internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens.
Isso porque a chance de uma corrente elétrica se tornar perigosa em uma área molhada é bem maior do que em uma seca. Quando o corpo está imerso na água, sua resistência ôhmica é reduzida e aumenta assim a possibilidade de circulação de maiores correntes. Por isso, a preocupação com a proteção contra choques nesses ambientes tem que ser redobrada.
Para os demais circuitos da instalação, embora seja recomendável usar os DRs de alta sensibilidade, podem ser utilizados dispositivos de baixa sensibilidade, que tem correntes diferenciais residuais nominais superiores a 30 mA, em geral até 300 mA. Nesse caso, os DRs de baixa sensibilidade protegem contra choques e também contra fugas de correntes excessivas e incêndios de origem elétrica. Esses produtos podem ter ainda correntes nominais, que são mais usuais na faixa entre 25 A e 125 A, para corrente alternada.
Desde sua menção na ABNT NBR 5410, o DR vem sendo, gradativamente, mais empregado nas novas instalações residenciais e comerciais. No mercado brasileiro, essa proteção é feita, majoritariamente, com DRs eletromecânicos, que são independentes da tensão de alimentação estando, portanto, garantida a proteção mesmo com tensões reduzidas. Os dispositivos eletrônicos possuem maior aceitação em outros países, sendo largamente utilizados nos Estados Unidos, na África do Sul, no Japão e na China.
O especialista Pat Ward, da empresa irlandesa Western Automation Research & Development, conta que dois fatores têm contribuído para o aumento do uso de circuito eletrônico nos DRs: alta performance e imunidade a disparos intempestivos. “Problemas de disparos intempestivos podem surgir devido a surtos de tensão ou corrente que podem induzir corrente no TC (transformador de corrente). Adicionando-se um circuito eletrônico, a saída resultante do TC pode ser minimizada ou atrasada para prevenir uma resposta instantânea ao surto”, diz.
No caso do Brasil, uma explicação para a predileção pelo DR eletromagnético pode ser obtida na própria norma de instalações elétricas de baixa tensão (ABNT NBR 5410), que restringe o uso de DRs eletrônicos em algumas situações:
“6.3.3.2.7 Admite-se o uso de dispositivos DR com fonte auxiliar que não atuem automaticamente no caso de falha da fonte auxiliar se a instalação na qual o dispositivo for utilizado tiver sua operação, supervisão e manutenção sob responsabilidade de pessoas advertidas (BA4) ou qualificadas (BA5) conforme tabela 18. Nota: A fonte auxiliar pode ser a própria rede de alimentação.”
Conforme a norma, o DR eletrônico não pode ser instalado em situações em que não haja pessoas advertidas ou qualificadas, isto é, pessoal de manutenção e/ou operação, engenheiros e técnicos. Este item foi uma inclusão da comissão responsável pela revisão da norma, já que não está no documento original da IEC, no qual foi baseada a norma NBR.
No Brasil e no Mercosul, a norma que traz as orientações para a fabricação e aplicação do DR eletromagnético é a NBR NM 61008. A norma técnica para os DRs eletrônicos, padrão internacional, é a série da IEC 61009, mas ainda sem equivalente no Brasil e sem previsão de tradução. Nesse sentido, fica então a questão: Por que o DR eletrônico é empregado em todo o mundo e refutado no Brasil?
Revista O Setor Elétrico, Numº 68 Setembro de 2011.