É possível quantificar os parâmetros dos mecanismos de ferimentos devido aos raios?

As descargas atmosféricas podem matar seres vivos e as redes sociais têm mostrado isso quase todos os dias. Não necessariamente o raio deve atingir diretamente uma pessoa ou um animal para mata-lo. Em trabalhos anteriores, muitos já publicados aqui na Revista Potência [01, 02], verificamos os diversos mecanismos de ferimentos ocasionados pelas descargas atmosféricas: descarga direta; tensão de toque; descarga lateral; elevação de potencial de terra (tensão de passo); líder ascendente não conectado (assunto da Revista Potência do mês passado [03]) e outros mecanismos “não elétricos”, por exemplo, devido aos incêndios causados pelos raios; devido à grande movimentação do ar ao redor do canal do raio que pode estilhaçar materiais ou “jogar” pessoas a metros de distância; ferimentos devido a eventual pânico entre as pessoas na presença de descargas atmosféricas (pisoteamento).

O objetivo principal deste artigo é aprofundar um pouco mais sobre os efeitos dos parâmetros da descarga atmosférica nos seres vivos. Este assunto é ainda muito pouco estudado para eventos de alta
frequência, como alguns componentes das correntes das descargas atmosféricas, principalmente por
envolver seres vivos e ferimentos.

Introdução

Existem alguns estudos sobre o efeito das correntes elétricas sobre seres humanos e animais, principalmente para baixas frequências e em corrente contínua. A norma NBR IEC 60479-1 [04] apresenta os aspectos gerais sobre esses efeitos. Esta norma brasileira foi baseada na IEC 60479-1, cuja versão mais
recente é de 2018, que fornece orientações básicas sobre os efeitos da corrente de choque nos seres
humanos e em animais. Foca nos efeitos da corrente alternada senoidal na faixa de 15 Hz a 100 Hz.

Esta série de normas da IEC possui a parte 2, a IEC 60479-2:2007 [05], a qual descreve os efeitos no corpo humano quando uma corrente alternada senoidal na faixa de frequência acima de 100 Hz passa por ele.

Mostra os efeitos da corrente que passa pelo corpo humano também para:

◗ corrente alternada senoidal com componentes contínuas,
◗ corrente alternada senoidal com controle de fase, e
◗ corrente alternada senoidal com controle multiciclo

São fornecidos meios de estender a frequência de aplicabilidade de senoides puras para uma frequência
de 150 kHz e meios de examinar formas de onda irregulares complexas e aleatórias.

Esta Parte 2 descreve os efeitos da corrente que passa pelo corpo humano na forma de impulsos retangulares unidirecionais sucessivos únicos e múltiplos, impulsos senoidais e impulsos resultantes de
descargas de capacitores. Os valores especificados são considerados aplicáveis para durações de impulso
de 0,1 ms até 10 ms inclusive. Aqui já tem alguns parâmetros que começam a “lembrar” os das descargas
atmosféricas.

Esta Parte 2 considera apenas a corrente conduzida resultante da aplicação direta de uma fonte de
corrente ao corpo, assim como a NBR IEC 60479-1. Não considera a corrente induzida dentro do corpo
causada pela sua exposição a um campo eletromagnético externo.

O documento IEC TR 60479-3:1998 [06] fornece orientação básica sobre os efeitos das correntes elétricas
no gado para fins de segurança elétrica. Indica valores de impedância elétrica do corpo dos animais
em função da tensão de toque, do grau de umidade do couro ou da pele e do trajeto da corrente. Os valores são apresentados apenas para bovinos. Esta parte descreve os efeitos da corrente alternada senoidal na faixa de frequência de 15 Hz a 100 Hz que passa pelo corpo do animal.

O documento IEC TR 60479-4:2020 [07] resume os parâmetros básicos para descargas atmosféricas e
sua variabilidade na medida em que se aplicam a seres humanos e animais de criação. São indicadas as
possíveis interações diretas e indiretas das descargas com os corpos de seres vivos. O documento descreve os efeitos resultantes causados pelas correntes atmosféricas no organismo e mostra as diferenças entre os efeitos sobre os seres humanos e o gado devido a descargas atmosféricas versus os efeitos de choques elétricos derivados dos sistemas elétricos.

Parâmetros importantes

Experimentos com seres vivos que envolvam ferimentos e dor são passíveis de muita discussão, sendo
necessárias análises de Comitês de ética, um entendimento complexo entre ética profissional e bioética,
enfim uma discussão muito complexa que ultrapassa os objetivos deste artigo.

Neste artigo vamos nos ater aos conceitos existentes, principalmente em normas técnicas, e verificar
possíveis equivalências para situações envolvendo as descargas atmosféricas que, em geral, não possuem
parâmetros definidos para ferimentos.

Para as correntes alternadas senoidais na faixa de 15 Hz a 100 Hz (baixa frequência) os principais conceitos são:

◗ limiar de percepção: Valor mínimo de corrente que provoca qualquer sensação para a pessoa através
da qual ela está passando.
◗ limiar de reação: Valor mínimo de corrente que provoca contração muscular involuntária.
◗ limiar de soltar-se: Valor máximo de corrente à qual uma pessoa que segura eletrodos pode soltar-se
dos eletrodos.
◗ limiar de fibrilação ventricular: Valor mínimo de corrente através do corpo que causa fibrilação ventricular.
◗ fator de corrente de coração F: Refere-se à intensidade do campo elétrico (densidade da corrente)
no coração para um determinado percurso da corrente à intensidade do campo elétrico (densidade
da corrente) no coração para uma corrente de mesma intensidade passando da mão esquerda para
os pés. Esta definição copiada fielmente da NBR IEC 60479-1 pode ser melhor entendida como: “fator
que relaciona a equivalência da corrente elétrica no coração para uma corrente de mesma intensidade
de um dado percurso (no caso, mão esquerda para os pés)”.
◗ período vulnerável: Cobre uma parte relativamente pequena do ciclo cardíaco durante o qual as
fibras do coração estão em um estado não-homogêneo de excitabilidade e ocorre a fibrilação ventricular
se elas forem excitadas por uma corrente elétrica de intensidade suficiente.

NOTA – O período vulnerável corresponde à primeira parte da onda T no eletrocardiograma que é
aproximadamente 10% do ciclo cardíaco (ver Figura 1).

Figura 1: Período de vulnerabilidade dos ventrículos durante o ciclo cardíaco (Figura da NBR IEC 60479-1)

A Figura 2 mostra a ativação da fibrilação ventricular quando o choque acontece no período vulnerável.
No oscilograma do eletrocardiograma (ECG) verificamos que a fibrilação ventricular inicia quando o choque acontece no período T. Nota-se que após este início, a pressão arterial começa a cair.

Figura 2: Ativação da fibrilação ventricular no período vulnerável (Figura da NBR IEC 60479-1)

Os conceitos importantes que podem ser utilizados das correntes alternadas para as correntes impulsivas da descarga atmosférica são o limiar de fibrilação ventricular, o fator de corrente do coração e o
período vulnerável. No entanto, para correntes impulsivas, os valores limites não são definidos.
Para os estudos, é muito importante conhecer a impedância elétrica do corpo humano. Esta impedância
depende de vários fatores: da frequência da corrente / tensão; da situação do corpo (seco, molhado);
da pele; dos órgãos internos; dos pontos do corpo nos quais a impedância é medida, entre outros. As
seguintes definições aparecem em [4]:

◗ impedância interna do corpo humano (Zi): Impedância entre dois eletrodos em contato com duas
partes do corpo humano, desprezando as impedâncias da pele.
◗ impedância da pele (Zp): Impedância entre um eletrodo sobre a pele e os tecidos condutivos abaixo.
◗ impedância total do corpo humano (ZT): Soma vetorial da impedância interna e da impedância da
pele (ver figura 3).
◗ resistência inicial do corpo humano (Ro): Resistência que limita o valor de pico da corrente no momento em que a tensão de contato ocorre.

A Figura 3 mostra as impedâncias do corpo humano. Os capacitores do modelo, representam partes do
corpo (a pele, por exemplo) que possam ser perfuradas com um determinado nível de tensão.

Figura 3: Impedâncias do corpo humano

Para alguns estudos, considerar o corpo como uma única impedância pode ser útil, porém para a maioria
dos estudos (por exemplo, aqueles que se deseja conhecer a corrente específica em determinados órgãos – o coração, por exemplo, um modelo mais complexo tem que ser utilizado, veja a Figura 4).

Figura 4: Distribuição das impedâncias internas do corpo humano

O documento [4] mostra as diferenças da impedância total de um corpo humano (considerando a corrente passando de mão a mão) para corrente alternada (50 / 60 Hz) e para corrente contínua, em função da tensão aplicada. A Tabela 1 que está no documento (replicada aqui a seguir) mostra valores da impedânciatotal do corpo (mão a mão, em CA) que não são excedidos por uma determinada porcentagem da população (a impedância varia de pessoa a pessoa).

Podemos verificar valores bastante distintos, mas que podem ser utilizados para estudos e cálculos visando a segurança das pessoas. A Figura 5 mostra a variação da impedância com a tensão e com a
frequência.

Figura 5: Variação das impedâncias totais do corpo humano em função da frequência e tensão

O documento [4] traz informações importantes, por exemplo, sobre o limiar de fibrilação ventricular, o
qual depende de parâmetros fisiológicos (anatomia do corpo, estado da função cardíaca, etc.), como também de parâmetros elétricos (duração e percurso da passagem da corrente, parâmetros da corrente, etc.).

Para corrente alterna senoidal (50 Hz ou 60 Hz) há uma diminuição considerável do limiar de fibrilação se
a passagem da corrente for prolongada além de um ciclo cardíaco. Este efeito resulta do aumento em não-homogeneidade do estado de excitação do coração devido aos extra sístoles induzidos pela corrente.

Para durações de choque inferiores a 0,1 s, a fibrilação pode ocorrer para intensidades de corrente
superiores a 500 mA, e é provável ocorrer para intensidades de corrente na ordem de vários ampères, só
se o choque cair dentro do período vulnerável. Os choques de intensidades e durações superiores a um
ciclo cardíaco, podem causar uma parada cardíaca reversível.

O uso de desfibriladores é muito importante para reverter essas situações.

A parte 2 do documento IEC TS 60479-2 [5] alerta que para frequências mais altas (acima de 100 kHz)
não existem dados experimentais e nem acidentes reportados em relação ao limiar de fibrilação ventricular.

Este documento mostra alguns parâmetros importantes para formas de onda diferenciadas, por exemplo,
pulsos de corrente alternadas com componentes contínuas; correntes alternadas retificadas; correntes
alternadas com controle de fase; com controle de multiciclos; pulsos de corrente unidirecional retangulares e correntes impulsivas singelas unidirecionais (esta já começa a parecer com as nossas correntes de descargas atmosféricas).

A Figura 6 mostra uma descarga de capacitor e como se determina a energia específica de fibrilação.

Figura 6: Descarga de capacitor com parâmetros para determinação da energia específica de fibrilação

Para uma descarga de capacitor com uma constante de tempo T, é possível determinar a energia específica de fibrilação (Fe) pela equação:

A Figura 7 mostra o limiar de fibrilação ventricular onde, com 50% de probabilidade de fibrilação, Fq é da ordem de 0,005 A.s e Fe varia de aproximadamente 0,01 A²s para uma duração de impulso ti = 4 ms até 0,02 A²s para ti = 1 ms.

Figura 7: Limiar de fibrilação ventricular

Esta curva indica a probabilidade de risco de fibrilação para correntes fluindo através do corpo, da mão
esquerda para ambos os pés, sendo:

◗ Abaixo da curva C1, sem risco de fibrilação;
◗ Entre C1 e C2, baixo risco de fibrilação (até 5% de probabilidade);
◗ Entre C2 e C3, risco médio de fibrilação (até 50% de probabilidade);
◗ Acima de C3, alto risco de fibrilação (mais que 50% de probabilidade).

Pena que os tempos envolvidos nestes impulsos ainda são grandes comparados às principais componentes da descarga atmosférica.

Figura 8: Fluxo de corrente em uma vaca.

A parte 4, IEC TR 60479-4: 2020 [7] refere-se aos efeitos das descargas atmosféricas no corpo humano e de animais.

Esta parte descreve os mecanismos de ferimentos por descargas atmosféricas; comenta os principais efeitos das correntes no corpo, como ferimentos e sintomas físicos e síndromes específicas, tais como a Queraunoparalisia e queimaduras. A norma apresenta alguns procedimentos de segurança individuais ou em multidão.

Focando nos mecanismos de ferimento das descargas atmosféricas

Considerando as descargas atmosféricas em pessoas e que não existem dados exatos de correntes medidas diretamente em alguém atingido por um raio; considerando a complexidade das descargas e a
grande variabilidade dos valores dos parâmetros envolvidos, as considerações a seguir são estimativas e
apenas representativas de situações particulares.

3.1 Descarga direta

Analisando uma descarga atmosférica direta em uma pessoa, com valores relativamente baixos (por se
tratar de um raio), com um valor de pico da corrente de 5 kA e uma forma de onda de 8/20 μs, podemos
fazer a seguinte análise:

◗ O raio atinge uma pessoa de 2 metros de altura diretamente no seu crânio;
◗ Considerando uma capacitância representativa, o campo elétrico sobre o corpo atinge 4000 V/cm
em aproximadamente 550 ns após a conexão do raio ao corpo;
◗ Um flashover (descarga disruptiva) ocorre sobre a superfície do corpo neste valor, momento em que
a corrente interna aumentou para aproximadamente 1 280 A.
◗ Nesse ponto, a corrente interna cai drasticamente sendo que, em 8 μs em que a corrente aplicada
continua a subir, ela é conduzida externamente ao corpo.
◗ O caminho feito pela corrente externamente ao corpo (pele suada ou molhada), pode provocar queimaduras na pele;
◗ A carga transferida internamente é de aproximadamente 1 mC.
A Figura 9 mostra a descarga direta sem descarga disruptiva e com descarga disruptiva no corpo.

Figura 9: Descarga direta em um corpo

De uma forma mais didática, Uman no seu livro “The art and science of lightning protection” [8], mostra
as tensões e correntes desde momentos antes da conexão, na passagem da corrente de retorno antes da
disrupção e após a descarga disruptiva no corpo. A Figura 10 mostra estes momentos.

Figura 10: Descarga direta em um corpo – aspectos elétricos

Na imagem a) desta figura, o raio ainda não se conectou com o líder ascendente conectante que surge
no crânio da pessoa. Considerando uma impedância de 700 Ω para o corpo da pessoa e uma corrente
subindo de 0 a 100 A em um μs, a tensão no corpo será de 70 kV (cabeça aos pés).

Na imagem seguinte b), o raio já se conectou e a corrente de retorno começa a passar pelo corpo. Ao
chegar em 1000 A, a tensão no corpo chega a 700 kV e inicia-se o fenômeno da descarga disruptiva sobre o corpo da pessoa.

Finalmente, a disrupção completa ocorre quando a tensão no corpo atinge uns 900 kV, sendo que a
corrente interna no corpo cai rapidamente, se mantendo em uns 5 A, porém a corrente externa, que passa sobre a pele, chega a uns 30 kA e começa a cair. Esta corrente externa irá provocar queimaduras na pele da pessoa e a interna irá provavelmente provocar a morte da mesma.

3.2 Tensão de toque

Em relação aos ferimentos devido às tensões de toque, o cálculo da tensão no ponto em que a pessoa
encosta (u), pode ser obtido pela seguinte equação:

Nessa equação, R é a resistência de aterramento do elemento que conduz a corrente iL, L é a indutância
do trecho entre o toque e o aterramento e diL/dt é a variação da corrente na frente de onda da parcela
(podendo ser o valor total, por exemplo, em um poste metálico atingido pelo raio) da corrente atmosférica

no elemento condutor. A Figura 11 mostra esquematicamente uma pessoa tocando um condutor de descida ou uma tubulação de água pluvial que conduz uma corrente de descarga atmosférica.

Figura 11: Tensão de toque

3.3 Descarga lateral

Para a descarga lateral, a pessoa não estará tocando o elemento energizado pelo raio, mas, se a distância
entre ela e o ponto mais próximo deste elemento for menor que a distância de segurança, uma descarga disruptiva entre o elemento e a pessoa pode ocorrer. A Figura 12 mostra uma descarga lateral entre um poste atingido por um raio e uma pessoa perto dele.

Figura 12: Descarga lateral

3.4 Tensão de passo

No Brasil é bastante utilizado o termo “Tensão de passo”. Em outros países é comum utilizar o termo
”Choque por elevação do potencial de terra (EPR)” ou “Choque por potencial de passo”. Muitos pesquisadores
não davam muito crédito à tensão de passo como um mecanismo que levaria à morte de pessoas.
Principalmente pelo fato que apenas uma parcela bem pequena da corrente passaria pelo coração, fican -do mais entre as pernas. Outros pesquisadores atribuem à tensão de passo como o principal mecanismo
de mortes em pessoas (~50%). A Figura 13, obtida no trabalho do Prof. Christopher Andrews [9], mostra umesquema clássico da tensão de passo.

Figura 13: Tensão de passo (figura copiada de [9])

Considerando que a pessoa está perpendicular às linhas equipotenciais devido à corrente do raio fluindo pelo solo e a abertura entre as pernas é de um metro, podemos calcular a diferença de potencial (DV) em função da distância da perna mais próxima do ponto de injeção de corrente do raio na terra (r1), da corrente injetada (I) e da resistividade do solo no local (ρ):

Figura 14: Diferença de potencial para pontos distantes de 1 metro em kV versus distância em metros
do ponto de injeção da corrente do raio (figura copiada de [9])

A Figura 14 mostra valores representativos para resistividade (rho no gráfico) de 10 – 100 Ωm (locais com
resistividade baixa). Note-se que para uma pessoa em pé, com os dois pés afastados em 1 metro, o limiar
de fibrilação ventricular considerado de 18kV (1% de risco de fibrilação para pé-pé) é excedido somente se a pessoa não esteja mais distante de, aproximadamente, 5m do ponto de injeção de corrente. Para uma diferença de potencial de 93kV que representa 50% de risco de fibrilação, para uma resistividade de 100 Ωm, essa distância é ainda bem menor, da ordem de 2 metros.

No Brasil temos solos com resistividades bem mais altas. Não é difícil encontrar solos com mais de
1000 Ωm de resistividade. Mesmo assim, no exemplo anterior, a distância do ponto de injeção da corrente iria para pouco mais de 7 metros (diferença de potencial de 93kV).

Podemos calcular a distância entre o ponto de partida do líder ascendente e a extremidade do líder
descendente (striking distance – ds ) através da seguinte equação:

ds = 0,65

Para uma corrente de 35 kA (valor de crista máximo da primeira descarga de retorno negativa) , utilizada
nos exemplos anteriores, ds é aproximadamente 100m, ou seja, da ponta do líder descendente, qualquer líder ascendente que aparecer a uma distância de 100 metros, poderá ser um ponto de impacto. Isto significa que o perigo maior da pessoa é ser atingida diretamente pelo raio do que sofrer uma tensão de passo significativa, nos exemplos acima.

Baseado nisso, a tensão de passo é significativa em termos de ferimentos mortais e início de fibrilação
ventricular quando a pessoa está bem próxima do ponto de injeção da corrente do raio no solo. Desta
forma, muitas mortes foram contabilizadas como tensão de passo, podendo ter sido um outro mecanismo de ferimentos, tais quais a descarga direta ou o líder ascendente não conectado. Um exemplo é quando um raio atinge um campo de futebol e ocorrem muitas mortes. Algumas podem ser devido à tensão de passo, mas muitas outras por líderes ascendentes não conectados.

3.5 Líder ascendente não conectado

Os ferimentos devido ao líder ascendente não conectado foram tema do artigo anterior da Revista Potência (Nº 218 de fevereiro de 2024). Convido aos leitores deste artigo a se aprofundarem no tema lendo o artigo anterior.

4.Conclusões

Definir valores limiares para parâmetros relacionados à descarga atmosférica e mortes é muito difícil. Este artigo procurou selecionar formas de se obter estes parâmetros baseados na série de normas da IEC 60479 e estudos recentes sobre o assunto.

A ciência tem o dever de juntar esforços para estudos que possam salvar vidas, seja na área médica, no trânsito, como nas tarefas do dia a dia e no trabalho do cidadão.

Existem pesquisadores que dedicam a vida neste esforço: salvar vidas! A proteção das pessoas contra os efeitos maléficos das descargas atmosféricas é um tema que deve ser estudado e divulgado o máximo possível, ainda mais em países em desenvolvimento onde a divulgação das formas de proteção e a situação do atendimento médico ainda é geralmente precária.

O ILSD Brazil 2024 (Dia Internacional de Segurança contra os raios) é um evento gratuito, presencial no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo que reúne diversos pesquisadores para divulgar técnicas de proteção. Será nos dias 27 e 28 de junho de 2024 na Universidade de São Paulo.

Referências

[1] Sueta, H. E., “Os ferimentos causados pelos raios”. Revista Potência, ano 16, Nº 198, 2022.
[2] Sueta, H.E., “Como proteger as pessoas dos raios?”. Revista Potência, ano 17, Nº 203, 2022.
[3] Sueta, H.E.; Shigihara, M.; Zilles, R; de Souza, D.F., “Os líderes ascendentes não conectados: um
mecanismo perigoso de ferimentos devido aos raios”. Revista Potência, ano 19, Nº 218, 2024.
[4] ABNT, “NBR IEC 60479-1 – Efeitos da corrente sobre seres humanos e animais domésticos – Parte
1: Aspectos gerais” ABNT, 2003.
[5] CEI IEC, “IEC CEI TS 60479-2 – Effects of current on human beings and livestock – part 2: Special
aspects” IEC, 2007.
[6] IEC, “IEC TR 60479-3 – Effects of current passing through the human beings and livestock – part 3:
Effects of current passing through the body of livestok” IEC, 1998 – cancelada
[7] IEC, “IEC TR 60479-4 – Effects of current passing through the human beings and livestock – part 4:
Effects of lightning strokes” IEC, 2020.
[8] Uman, M.A., “The art and science of lightning protection”, 2008, doi: 10.1017/CBO9780511585890.
[9] Andrews, C., “A Study of Earth Potential Rise Shock in Lightning Injury”, Anais do ICLP-SIPDA, Sri
Lanka, 2021.

HÉLIO E. SUETA INSTITUTO DE ENERGIA E AMBIENTE – USP – REVISTA POTENCIA ED219