Na contramão dos problemas relatados pela industrias, outra forte movimentação na economia brasileira também chama atenção. O fato é que diversas companhias estão investindo pesado na diversificação do portfólio, ampliando fábricas, inaugurando unidades e instalando laboratórios e centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil.
Dentro dessa movimentação, percebe-se claramente o surgimento de novas cadeias produtivas, como a da energia eólica, por conta do grande potencial de geração do País, e a dos produtos para atmosferas explosivas, devido ao crecimento da área de óleo e gás.
Com isso, embora muitos produtos passem a ser importados, em vez de fabricados aqui, outros que eram importados estão começando a ser produzidos no Brasil. Assim, é natural que se pergunte: estaria havendo uma mudança no perfil produtivo do país?? Seria o caso do Brasil repensar qual deve ser sua vocação industrial?
Dos novos mercados que se desenvolveram no Brasil nos últimos anos, o de energia eólica é um dos mais pujantes e promissores. Com esse potencial de geração da ordem de 143 gigawatts, essa fonte segue em processo crescente de inserção na matriz elétrica brasileira e de atração de industrias de bens de capital.
Em 2006, o Brasil tinha apenas um fabricante de aerogeradores. Hoje, existem 11 empresas – sete já já em operação. A cadeia de fornecimento inclui ainda seis fabricantes de torres eólicas em operação e outro em construção e dois fabricantes de pás em operação entre 2012 e 2013.
O grupo argentino IMPSA, que já tinha uma fábrica de aerogeradores no Brasil, anunciou a construção de três novas plantas no País, com um investimento superior a R$300 milhões.
A norte Americana GE, por sua vez, assinou um protocolo de intenções com o governo da Bahia para a instalação de uma fábrica de turbinas eólicas. A unidade receberá investimentos de até R$45 milhões. ” A GE enxerga que a presença de uma fábrica no Brasil colabora para o desenvolvimento das necessidades com maior eficiência”, comentou Marcelo Prado, diretor de Marketing da GE Energy, para a América Latina.
Para Elbia Melo, presidente-executiva da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Elétrica), o País atingirá a autossuficiência na produção de equipamentos para essa área e deverá se tornar um exportador. ” Nós vislumbramos que ainda existe espaço para mais fábricas no Brasil, dada a demanda que vai haver e também pensando em exportar para a América Latina, comenta”.
Segundo estimativa da associação, a energia eólica gerou ate agora 20 mil empregos diretos e indiretos em toda a cadeia e ainda deverá gerar outros 90 nil postos de trabalho até 2016.
Outra cadeia produtiva que tende a se fortalecer e a de equipamentos para atmosferas explosivas, devido ao grande potencial que o Brasil tem nas áreas de exploração e beneficiamento de óleo e gás de mineração – outro campo importante de aplicação dessa soluções.
” O segmento ”EX” neste momento está em processo de absoluto e franco desenvolvimento”, atesta Nelson Lopes, presidente da Associação Brasileira para Prevenção de Explosões, (ABPEX).
De acordo com ele, a revisão da NR10 (Norma Regulamentadora N 10), por parte do ministério do trabalho, em 2004, proporcionou um grande impulso a área elétrica em geral, fomentando o maior consumo de produtos a prova de explosão.
Naturalmente , essa movimentação do mercado reflete no trabalho das certificadores que possuem laboratórios acreditados para promover ensaios nessa área. Segundo Igor Moreno, gerente de certificação da área de Atmosferas Explosivas da TÜV Rheinland, num primeiro momento as companhias internacionais adquiriram empresas brasileiras para entrar nesse mercado com uma marca local.
Entretanto, o executivo identificou uma nova tendência. De acordo com ele, nos últimos dois anos, mais fabricantes estrangeiros passaram a produzir no Brasil. ”Pelos investimentos da Petrobras e o campo que está se abrindo, em termos de áreas classificadas, muitos fabricantes internacionais estão vindo para o País”, destaca.
Um dos fatores que têm levado novos fabricantes a aportarem no Brasil, é o nível de conteúdo local exigido pela Petrobras, que é a maior impulsionadora desse mercado.
Igor Moreno conta que por enquanto a maior parte dos produtos para atmosferas explosivas que passam pelo processo de certificação na TüV Rheinland no Brasil (entre 60% e 65%) ainda é fabricada no exterior. Entretanto, o especialista nao descarta uma mudança nesse quadro, visto que a produção local tende a aumentar. ” Entendo que a situação pode se reverter, sim”.
Um dos mais novos players do setor é a Tramontina EX, divisão da Forjasul Eletrik especializada na fabricação de equipamentos para atmosferas explosivas. O diretor Roberto Aimi explica os motivos que levaram a companhia a entrar nesse mercado como foi o processo. ” Devido ao pré sal, os olhos do mundo estão voltados para o Brasil e estudos de mercado nos mostram que o País possui forte potencial para esses componentes que o pré sal vai gerar. Desde então estamos trabalhando em todo o desenvolvimento do projeto, que inclui o desenho dos produtos, a construção dos protótipos, preparo do ferramental, compra de máquinas e equipamentos e as certificações”.
Segundo o executivo, a Forjsul Eletrik investiu em torno de R$ 5 milhões no lançamento da Tramontina Ex. A companhia demonstra otimismo com a nova empreitada e espera que o fato de produzir no próprio país seja levado em consideração pelo cliente. ” Acreditamos que o reconhecido padrão de qualidade Tramontina e o fato de ser um produto brasileiro consistirão em importantes diferencias no mercado.”
Além de estimular a produção local de equipamentos para atmosferas explosivas, o advento do pré-sal deve produzir reflexos positivos também em outras áreas do complexo eletroeletrônico brasileiro, como a Automação Industrial.
Neste momento existe uma grande expectativa de que a recente indicação de Maria das Graças Foster para a presidência da Petrobras irá impulsionar ainda mais o mercado brasileiro de óleo e gás e, como consequência movimentar a cadeia de fornecedores.
” A expectativa é que os projetos em andamento avancem e se desenvolvem com mais velocidade, acredita Jorge Ramos, presidente da ISA – Distrito 4 principal organização mundial do setor de automação industrial.
Maria das Graças é uma profissional da área técnica e trabalha há mais de 30 anos na Petrobrás. ” Ela é uma tocadora de empreendimentos, entende a Petrobrás e vai dar a empresa o comando de um petroleiro”, define Ramos. O setor comemora ainda a nomeação de José Formigli Filho, para a diretoria de Exploração & Produção.
”Vão acontecer definições técnicas. A Petrobrás não vai ter o que explorar o pré-sal em determinado estado por que é melhor politicamente. Ela vai produzir onde for mais viável tecnicamente”, acredita Ramos. Como as Petrobrás é principal cliente de automação industrial no Brasil, um ritmo de trabalho mais acelerado da companhia tende a incentivar a produção de equipamentos no País”,. Certamente os fabricantes de automação vão ser atraídos como os de outras áreas estão sendo”, prevê Ramos.
De acordo com Mauro Borges Lemos, presidente da ABDI, a vocação industrial do Brasil está sendo comandada pela política industrial, que se definiu os setores estratégicos que serão incentivados e promovidos nos próximos anos.
Ele afirmou que as cadeias produtivas novas que estão se instalando mo País derivam de ações de política industrial anteriores ao Plano Brasil Maior e que estão gerando resultados. ” A diversificação da industria, principalmente em setores estratégicos, foi e continua sendo alvo das ações de politica industrial que o governo brasileiro tem se esforçado em desenvolver”, garante.
Segundo o executivo, as empresas de energia eólica, incluindo as de fabricação de equipamentos, foram incentivadas pelos leilões públicos, com contrapartidas de produção local de infraestrutura. Já os esquipamentos e produtos para atmosferas explosivas, prossegue, estão sendo produzidos no Brasil para atender a Petrobrás nos processos de exploração do pré-sal, que exigem conteúdo local.
Lemos disse ainda os centros de pequisas e desenvolvimento que as empresas estão instalando no Brasil estão sendo incentivados pelo governo na medida em que transferem para o País capacidade de inovação e desenvolvem o ambiente tecnologico.
O Paulo Sakaf , presidente da Fiesp, observa, no entanto que os investimentos industriais na economia brasileira estão ocorrendo pontualmente em alguns setores e que o país precisa de uma bola ”onda generalizada, de investimentos”, que perpasse todo tecido industrial. O ambiente econômico no Brasil com todos seus obstáculos impede que essa onda de investimentos ganha volume e cresça cada vez mais.”
Skaf acredita que os setores mencionados podem ampliar sua importância na economia brasileira no futuro, mas faz um alerta: ”’ Se estiveram expostos ao ambiente atual de negócios no Brasil , muito provavelmente se deslocarão para outros lugares, como tem acontecido nos demais setores industriais de hoje ”.
Humberto Barbato, da Abinee, também reconhece que existem grandes investimentos sendo feitos na industria brasileira e admite que há casos em que a fabricação local é viável. Ele disse ”que é natural” o surgimento de novas cadeias produtivas, como a de equipamentos para energia eólica, e atribui o fato a sofisticação do parque industrial, a promoção da inovação e ao surgimento de novas fontes de energia.
Entretanto, segundo o executivo, uma análise de pauta de exportações do Brasil para os Estado Unidos, há dez anos e hoje, é um indicador de que a coisa não está tão bem quanto parece. Barbato reclama que o País deixou de ser um exportador de produto manufaturado e passou a ser um exportador de commodities.
Assim, Barbato diz ter dúvidas se de fato está havendo uma nova configuração do surgimento de novas caveias produtivas. ” Se a gente estivesse fazendo a substituição da nossa produção não estaríamos perdendo posições no mundo industrial, como estamos perdendo. No momento em que um país deixa d estar no mercado externo ele não progride. A China está crescendo por que a cada dia ela se industrializa e adotou a filosofia de produzir para o mundo, e não só para o mercado interno, como muita gente do Brasil pensa”, opina Barbato.
REVISTA POTÊNCIA Nº 77.