Montanha de risco

Explosão registrada em unidade de armazenamento de grãos no Paraná chamou a atenção para a segurança no setor, que também envolve outros perigos.

Era tarde de quarta-feira, 26 de julho, quando Francisca dos Santos, de 33 anos, funcionária de uma empresa terceirizada, trabalhava na limpeza de uma unidade de armazenamento de grãos da C.Vale, em Palotina, no Paraná. Natural do Piauí, a mãe de dois filhos, um de 12 anos e outro de 8, teve sua jornada interrompida naquele turno por uma explosão. Mesmo que o sinistro tenha ocorrido no subsolo, as chamas foram dissipadas através dos poços dos elevadores. Francisca trabalhava próximo a um deles, no térreo da planta. Foi atingida e teve 80% do corpo queimado. Foram 16 dias de internação até falecer, em 11 de agosto. Ela foi a décima vítima fatal desta tragédia, que deixou outros 10 trabalhadores feridos.

Este fato, que pela sua proporção ocupou as manchetes nacionais, não é rotina em empresas de armazenamento de grãos e cereais. Embora incêndios e explosões sejam um risco presente, provocados, por exemplo, pela poeira combustível de grãos e cereais, são outros perigos que rondam o setor praticamente todos os dias, como engolfamento, soterramento e queda de altura, deixando trabalhadores mortos e feridos. A estes, se somam ainda outros que envolvem o trabalho em espaços confinados. Alguns destes riscos, de acordo com especialistas em Saúde e Segurança do Trabalho, são exclusivos destas operações, não encontrados em nenhum outro ramo produtivo brasileiro. Talvez por isso, o segmento exige uma série de habilidades muito específicas para a manutenção da segurança dos trabalhadores. Em seguida, vamos entender quais são essas medidas preventivas e por quais motivos ainda é difícil colocá-las em prática, além de detalhar como acidentes envolvendo explosões, como o que vitimou Francisca e seus colegas, podem ser evitados.

No dia 26 de julho, assim que as primeiras notícias sobre a explosão na cooperativa C. Vale começaram a ser divulgadas, todos os olhares no país se voltaram para Palotina, cidade do oeste paranaense. Pelo impacto do sinistro, sentido em diversos pontos do município, e pelos estragos causados nas estruturas da unidade, temia-se pela segurança dos trabalhadores. Não demorou para que as primeiras oito mortes fossem confirmadas e, para que, com apreensão, as equipes de resgate iniciassem os trabalhos de busca por um trabalhador desaparecido.

Cinco dias depois, o corpo do homem, de 55 anos, foi localizado soterrado. Ele estava em uma área subterrânea que, com a explosão, foi encoberta por 10 mil toneladas de grãos. Pelas condições de destruição do local, conforme o Corpo de Bombeiros do Paraná, a operação de resgate foi complexa. Inicialmente 11 trabalhadores ficaram feridos. A décima vítima fatal, como apontamos no começo desta reportagem, faleceu depois de 16 dias de internação.

O caso de Palotina acendeu um alerta aos prevencionistas para a segurança neste setor. Embora as ocorrências envolvendo explosões não sejam a principal causa de acidentes nas unidades de armazenamento de grãos, quando elas ocorrem, costumam ser fatais. E este é um risco muito presente nestas operações. Isso porque, a poeira de uma gama de produções agrícolas, como farinha de trigo, milho, soja, cereais, entre outros, é combustível. A explosão pode ocorrer quando altas concentrações de partículas deste tipo de poeira se acumulam em espaços confinados, como nas unidades de armazenamento de grãos e cereais. Se dispersas, na presença de uma fonte de calor, podem inflamar e explodir.

“E há tanto o risco de incêndio, quando o pó fica acumulado sobre uma superfície quente, como de explosão, que ocorre quando uma nuvem de pó, com uma concentração adequada, encontra uma fonte de ignição com energia suficiente”, detalha Estellito Rangel Junior, engenheiro certificado CompEx (Inglaterra) e ATEXPreven (Espanha), primeiro representante brasileiro em Maintenance Teams do TC-31 da IEC nas normas sobre atmosferas explosivas, e auditor com vários trabalhos publicados.

Tanto no caso de Palotina, como em outras ocorrências desta natureza, é comum que ocorram explosões secundárias, aumentando o impacto do sinistro. “Ocorre a primeira explosão, que agitará o ambiente, colocando mais material em suspensão e novas explosões ocorrem cada vez mais fortes, passando para outros locais da edificação através de condutos dos elementos de comunicação”, lembrou o engenheiro, especialista em controle de poeiras explosivas, higiene ocupacional e ventilação industrial, Ary de Sá. Foi justamente este fenômeno que tirou a vida de Francisca, décima vítima fatal do acidente de Palotina.

Influência

A possibilidade da explosão de uma nuvem de pó está condicionada à dimensão de suas partículas e sua concentração em gramas por metro cúbico de ar, às impurezas, à concentração de oxigênio e à potência da fonte de ignição. Conforme explica Ary de Sá, chamas abertas, luzes, produtos defumadores, arcos elétricos, filamentos incandescentes, faíscas de fricção, condutos de vapor de alta pressão e outras superfícies quentes, faíscas eletrostáticas, aquecimento espontâneo, solda e corte oxi-acetilênico e faíscas procedentes destas operações podem ser potentes fontes.

O especialista também explica que quanto menor for a dimensão da partícula de pó, torna-se mais fácil para a nuvem entrar em ignição devido a sua baixa densidade. “A dimensão da partícula faz aumentar também a capacidade elétrica das nuvens de pó, ou seja, o tamanho das cargas elétricas que podem se acumular na partícula da nuvem”, detalha. Mas por quais motivos, mesmo com este alto risco, as explosões envolvendo poeiras não estão no topo das ocorrências nas unidades de armazenamento de grãos?

Há uma resposta. A explosão de poeira é mais difícil de ocorrer do que aquelas envolvendo substâncias inflamáveis, como gases e vapores, de acordo com Sérgio Garcia, chefe de Segurança do Trabalho na SRTE/RS (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego) e coordenador da revisão da NR 33 (Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados). Isto porque, explica ele, a concentração de poeira para gerar uma explosão precisa ser maior se comparada com a concentração de gases e vapores. “A concentração de poeira precisa ser na faixa de gramas e não em miligramas, como no caso dos outros combustíveis. No entanto, quando ocorre, a energia liberada é muito maior do que aquelas envolvendo gases e vapores, já que a primeira explosão levanta a poeira e gera outras explosões”, complementa.

Normas

Diante da gravidade de ocorrências deste porte é preciso agir. E, para isso, é necessário inicialmente se debruçar sobre a legislação. As normas nacionais, por exemplo, estão representadas na NR 31 (Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura), que traz um item com medidas de controle dos riscos de incêndio e explosão envolvendo secadores, silos e espaços confinados. “A normatização técnica brasileira já dispõe de normas sobre medidas preventivas contra os riscos de explosão, com destaque para a NBR 60079-14, que estabelece os requisitos de segurança para as instalações elétricas em áreas sujeitas à formação de atmosferas explosivas, conhecidas como áreas classificadas”, acrescentou Rangel Junior.

A NR 33 (Espaços Confinados), revisada no ano passado, também traz orientações importantes que envolvem controle de energias perigosas, avaliações atmosféricas, ventilação, além das recomendações para o uso de equipamentos em áreas classificadas. “Um dos maiores avanços que tivemos nesta revisão em relação ao texto anterior tem relação com o resgate nestes espaços em casos de emergências como esta, do porte da registrada em Palotina”, afirmou Garcia.

Já na legislação internacional, nos países europeus há as Diretivas ATEX (Atmospheres Explosives), que possuem força de lei e exigem o mapeamento dos riscos de incêndios e explosões, devendo ser feito o registro das medidas de controle em um documento específico. Existem também as normas internacionais IEC, em especial as da série 60079. Dentre as normas estrangeiras, também cabe destacar as normas americanas da NFPA, que estabelecem muitos requisitos técnicos para evitar explosões no agro. “Podemos dizer que a normatização técnica existente tem atendido ao setor, uma vez que nos relatórios periciais dos acidentes ocorridos as causas apontadas são justamente o não-atendimento às disposições das mesmas. As normas estão sendo periodicamente revisadas, mas os conceitos fundamentais continua inalterados”, completou Rangel Júnior.

Medidas

Mas apenas a existência de normas, sabemos, não garante a proteção. No caso da prevenção de explosões, a medidas são diversas. Inicialmente, estes ambientes precisam ser avaliados por um especialista quanto à possibilidade de formação de atmosferas explosivas, que serão então assinaladas no documento de classificação de áreas. Este documento, conforme Rangel Júnior, precisará apontar as áreas com potencialidade de formação de atmosferas explosivas tanto em condições normais, quanto em condições anormais de operação.

A partir deste documento, de acordo com o especialista, é que poderão ser especificados os equipamentos seguros, bem como poderão ser elaborados os procedimentos para execução segura dos serviços programados para aqueles locais. “Como a ocorrência de explosão necessita de pós combustíveis em suspensão, acima da concentração mínima definida em laboratório para cada produto, a execução de um procedimento eficaz de limpeza é imprescindível para eliminar os acúmulos de pós combustíveis. Além disto, caso o ambiente ou o processo não permitir que seja feita uma limpeza adequada, há dispositivos especiais de proteção.