A importância de conhecer o comportamento da carga para a seleção do motor

Embora desenvolvido há mais de 130 anos, o motor elétrico de indução com rotor em gaiola é amplamente utilizado ainda hoje nos mais diversos acionamentos, tanto com velocidade constante quanto variável. Em um acionamento, o motor deve apresentar duas funções básicas:

1) Potência dinâmica ou de aceleração – é o valor necessário para acelerar a carga até a rotação nominal, partindo do repouso, num tempo inferior ao de rotor bloqueado; e
2) Potência nominal ou de regime – é o valor necessário para manter a carga funcionando em sua rotação nominal.

No entanto, para obtenção de um acionamento motriz confiável, de elevada eficiência energética e longa durabilidade, algumas informações devem estar disponíveis, sendo importante o conhecimento do comportamento da carga em várias condições de funcionamento e em diversas velocidades.

O fabricante do equipamento a ser acionado é o responsável por fornecer essa informação, devendo efetuar ensaios para definição das curvas de desempenho, que relacionam diversas grandezas físicas importantes para a determinação do motor elétrico a ser utilizado, como potência mecânica, torque, rotação e outras, em função do tipo e finalidade do equipamento.

A ausência dessas curvas pode levar a um sobredimensionamento desnecessário [1] ou, no pior caso, a um subdimensionamento, limitando o funcionamento do equipamento em suas condições previstas como nominais.

O presente estudo, efetuado em um motor de indução de 500 cv que aciona um ventilador centrífugo com velocidade variável, necessário a uma determinada aplicação industrial, comprovou a importância
da utilização das curvas de desempenho dessa carga. Embora medições efetuadas no local constatassem reserva de potência suficiente para aumento da velocidade do motor, o estudo com as curvas de desempenho comprovou que na realidade o motor já estava operando em seu limite de potência.

O artigo apresenta também orientações sobre os cuidados no uso de programas disponíveis para essa finalidade, principalmente quando o motor é acionado com velocidade variável e as medidas de corrente elétrica forem efetuadas antes do acionamento eletrônico.

Embora já apresentado em edições do ENIE – Encontro Nacional de Instalações Elétricas* o redimensionamento motriz, necessário em muitas aplicações industriais onde se constata um sobredimensionamento por vários motivos, informações sobre o comportamento da carga para obtenção de um sistema energeticamente eficiente, devem estar disponíveis [2, 3]. [*Nota do Editor: Hoje intitulado “Eletrotec+EM Power” e promovido pela revista Eletricidade Moderna, o congresso foi realizado com o título de ”ENIE” até a edição de 2018.]

Após a seleção do motor elétrico necessário ao acionamento, deve-se proceder ao estudo da sua proteção contra sobrecargas e curtos-circuitos, situações que poderiam reduzir a vida útil dos equipamentos e invalidar os resultados esperados [4].

Estudo de caso

Foi efetuada uma consulta sobre a necessidade de aumento da rotação de um ventilador centrífugo acionado por um motor de indução de 500 cv, 440 V, 60 Hz, corrente nominal de 593 A, fator de serviço 1,15, quatro polos, 1793 rpm e rendimento a plena carga de 0,95, modelo IR2, ano 2011. Tal procedimento tinha como objetivo o aumento da vazão e da sua pressão de ar, necessárias para
um melhor aproveitamento do equipamento em atendimento a uma nova exigência do processo industrial.

Equipamento acionado

Em geral esses ventiladores centrífugos possuem uma curva típica de conjugado em função da rotação com forma parabólica (Cc = kn2). Sendo a potência igual ao produto do conjugado pela rotação, resulta em Pc = kn3 [5]. Como a potência necessária é proporcional à rotação elevada ao cubo, os equipamentos são muito utilizados com sistemas eletrônicos para variação de velocidade, pois a economia de energia elétrica obtida em rotações inferiores à nominal, normalmente necessárias
para controle de processos industriais, é altamente significativa.


A figura 1 apresenta uma curva típica da forma da variação do conjugado e da potência em função da rotação, para esse tipo de equipamento.

Fig. 1 – Curvas típicas de cargas centrífugas

Metodologia de análise

Medições de grandezas elétricas – Segundo o usuário, como o equipamento possui a possibilidade de variação de rotação por meio de um conversor eletrônico que altera a frequência da tensão de alimentação do motor, a menor tentativa de aumento da rotação provocava interrupção do seu funcionamento por motivo de sobrecarga. O valor da frequência ajustada é de 40 Hz, o que corresponde a uma rotação do campo girante igual a 1200 rpm.

Inicialmente, com objetivo de efetuar uma investigação do problema, solicitou- se ao usuário que informasse os valores das tensões de alimentação e as correntes nas várias fases solicitadas pelo motor, nas condições atuais de operação. Foi recomendada a utilização de equipamentos que medissem valor eficaz verdadeiro (true RMS), em função dos harmônicos de corrente gerados pelo
conversor.
A tabela I apresenta os valores medidos
em campo:

Analisando os valores medidos de corrente, o departamento de manutenção da empresa acreditou que o motor possuía condições de aumento da rotação, uma vez que sua corrente nominal é 593 A. No entanto, como já informado, o conversor interrompia o funcionamento do motor, indicando sobrecarga, o que gerou uma consulta sobre o que poderia estar ocasionando essa impossibilidade de aumento da rotação.

Sendo esse conversor de conjugado constante, independente da velocidade, a relação entre a tensão e a frequência desaída deve ser constante, para manutenção do fluxo magnético do motor. Dessa forma, embora não tenha sido medida, a corrente entre o conversor e o motor deve ser em torno de:

I’a = 460 x (60÷40) = 690 A

E a tensão deve ser: U’ab = 440 x (40÷60) = 293,33 V
Com:

• Rotação do campo girante a 60 Hz =
1800 rpm;

• Perda de rotação no eixo = 1800 –
1793 = 7 rpm;
• Rotação do campo girante a 40 Hz =
1200 rpm;
• Rotação do eixo a 40 Hz = 1200 –
7 = 1193 rpm.

Como esse motor possui um fator de serviço de 1,15, poderia, caso estivesse
girando em sua rotação nominal, fornecer de forma contínua uma potência
mecânica de:

1,15 x 500 = 575 cv (422,8 kW)

Porém, como está operando a 40Hz, a potência disponível no eixo é igual a:

575 x (1193÷1793) = 382,58 cv (281,30 kW)

O valor da potência elétrica para atender a essa solicitação, considerando o rendimento informado pelo fabricante do motor (0,95) e o rendimento do conversor (0,95), é:

281,30 ÷(0,95 x 0,95) = 311,69 kW

O valor aproximado da corrente elétrica para fornecer essa potência, considerando o fator de potência antes do conversor igual a 0,9, é:

Ia = 311690 ÷ (√3 x 440 x 0,9) = 454,42 A

Para maior entendimento das grandezas elétricas presentes em um conversor que produz a alteração do valor da frequência da tensão de alimentação para modificação da rotação de um motor de indução, apresenta-se aqui a figura 2, obtida por meio de um estudo experimental:

Fig. 2 – Formas de onda e harmônicos de tensão e de corrente, presentes em um conversor de
frequência

Observando essa figura, pode-se concluir:
a) A tensão de entrada é a tensão da rede, considerada sem harmônicos, mas a corrente possui harmônicos de 5a, 7a, 11a e 13a ordens;
b) Abaixo de 60 Hz, a tensão de saída é menor que a tensão de entrada e, portanto, a corrente de saída tem de superior que à de entrada para fornecer a potência necessária. Entre o conversor e o motor, existem poucos harmônicos de corrente, mas há harmônicos de tensão de várias ordens.

Os programas atuais para análise do funcionamento de motores elétricos, seja por medições de potência, corrente ou rotação, baseados em informações dos fabricantes, consideram somente
funcionamento em condições nominais, o que não acontece quando o motor é alimentado por meio de um conversor, onde essas grandezas são alteradas para obtenção da variação de rotação.

Fig. 3 – Curvas de desempenho do ventilador, enviadas pelo fabricante do
equipamento

ou rotação, baseados em informações dos fabricantes, consideram somente funcionamento em condições nominais, o que não acontece quando o motor é alimentado por meio de um conversor, onde essas grandezas são alteradas para obtenção da variação de rotação.

Como os simuladores disponíveis não consideram esta situação, os resultados
informados não são reais.

Análise pelas curvas de desempenho do ventilador – Como forma de comprovação da situação apresentada pelas medições de corrente, e de convencimento do cliente sobre a impossibilidade de aumento de rotação, foram solicitadas as curvas de desempenho do ventilador, fornecidas pelo fabricante.

A figura 3 apresenta a família de curvas que relacionam diversas grandezas físicas em função da vazão. O sistema atualmente está operando com vazão de 50 m3/ s:

No caso em estudo, a potência mecânica foi a grandeza utilizada para a análise do aumento de rotação. A figura 4 apresenta os valores de vazão, pressão estática, rotação e potência mecânica requerida, grandezas estas importantes para a análise em questão.

Fig. 4 – Valores de pressão, rotação e potência mecânica requerida para a vazão de 50 m3/s

Como o conversor está parametrizado para 40 Hz, a rotação do eixo é de 1193 rpm. Mas a informação na tabela se refere a 1267 rpm, portanto deve-se corrigir o valor da potência requerida, 289,8 kW = 394,12 cv: 394,12 x (1193÷1267) = 371,10 cv (272,87 kW)

Sendo a potência nominal do motor igual a 500 cv, considerando o fator de serviço igual a 1,15 e corrigindo a potência disponível para 1193 rpm, tem-se:

500 x 1,15 (1193÷1793) = 382,59 cv (281,31 kW)

Portanto, a análise pelas curvas de desempenho do fabricante comprova a impossibilidade de aumento de rotação do ventilador. Pode-se observar pelas curvas que, estando o sistema operando a uma vazão
de 50 m3/s, qualquer aumento na vazão ou na pressão corresponde a um aumento da potência mecânica requerida pelo ventilador.
Verificação das condições de ventilação do motor – Como o motor é do tipo autoventilado e estando operando abaixo da sua rotação nominal, deve-se verificar se poderá ser utilizado com sua potência nominal em função da redução da ventilação. A figura 5 apresenta as informações do fabricante do motor para acionamento com fluxo constante (V/Hz = cte.) [7].

Fig. 5 – Redução de potência em casos de rotação abaixo da nominal

A relação entre a frequência de operação e a nominal é igual a (40/60), 0,66, e sendo a isolação classe F, o motor só poderá ser utilizado com 97% da sua potência nominal, o que agrava ainda mais a situação apresentada.
Considerando a perda de torque em função da redução de ventilação devido à diminuição da rotação do motor, calcula- se a potência disponível no eixo:
0,97 x 382,59 = 371,11 cv,
valor que também, pela análise das curvas de desempenho, confirma a impossibilidade de aumento de potência mecânica, pelo aumento da rotação do motor.

Conclusões
O estudo de caso apresentado demonstrou a importância da análise das condições de operação de um motor elétrico juntamente com as curvas de desempenho do equipamento que irá acionar. Infelizmente, na maioria dos casos o fabricante do equipamento não efetua ensaios para determinação de um motor adequado considerando seu desempenho inicial, o que torna difícil analisar as necessidades que surgem durante a vida do equipamento, como, por exemplo, aumentos de torque ou de rotação em função de alterações do processo produtivo. O caso apresentado provou que, na menor
rotação prevista, o motor foi dimensionado no limite de sua potência, inviabilizando qualquer possibilidade de aumento de rotação para atendimento a novas condições de trabalho. Medições de corrente efetuadas antes do conversor de frequência induziram a enganos, pois na realidade o motor estava operando com tensões e frequência diferentes dos valores nominais especificados em sua placa de identificação.

RE FERÊNCIAS
[1] Ramos, M.C.E.S.; Ramos M.C.G.; Burani, G.F.; Tatizawa, H.: Redimensionamento de Motores em Acionamentos Industriais. Revista Eletricidade Moderna. jun. 2011; No 447, Aranda Editora. p. 54-62.
[2] Ramos. M.C.G.; Junior. A.A.P.: Aspectos Relacionados à Qualidade da Energia na Indústria Têxtil: estudo de caso. Revista Eletricidade Moderna. jun. 2004; No 363.Aranda Editora. p.54-67.
[3] Ramos, M.C.G.: Cuidados com os Acionamentos Industriais. Revista “’Lumière Electric”. mai. 2013. Editora Lumière. p. 60- 68.
[4] Ramos.M.C.G.; Ramos M.C.E.S.: Proteção de Motores Elétricos de Indução contra Sobrecargas e Curtos-circuitos. Revista Eletricidade Moderna. fev. 2014. No 479. Aranda Editora. p. 118-129.
[5] Lobosco, O.S.; Dias, J.L.P.C.: Seleção e Aplicação de Motores Elétricos. McGraw-Hill. São Paulo. SP. 1988
[6] Ramos, M.C.E.S.; Ramos, M.C.G.: Metodologia para Avaliação de Motores de Indução Trifásicos. Revista Eletricidade Moderna. abr. 2009. No 421. Aranda Editora. p. 108-123.
[7] WEG Equipamentos Elétricos: Motores Elétricos. 2009. p. D49. Trabalho apresentado no congresso Eletrotec+EM Power 2023 (Aranda Eventos/SPI/FMMI), realizado em 29 a 31 de agosto de 2023 em São Paulo, SP, publicado em EM sob autorização do autor e da coordenação do congresso.

Por Mário César Giacco Ramos da Ramos Engenharia S.S. Ltda. em revista eletricidade moderna N°577